Introduction
A noite estava densa, tomada por um silêncio sufocante, enquanto Jonathan Whitaker permanecia sozinho em seu escritório, e as brasas moribundas da lareira projetavam sombras longas e trêmulas pelas paredes. Cada tique-taque do velho relógio de bronze sobre o aparador martelava suas têmporas como um tambor distante e acusador. Ele quase podia ouvir seu próprio coração ecoar pelo cômodo silencioso. Seus olhos, congestionados de sangue após horas de tormento sem sono, fixavam-se na forma escura encolhida a seus pés: Plutão, o gato negro como breu que o acompanhava desde a infância. Até aquela noite. A mão de Jonathan tremia ao estender-se, recordando com horror o golpe furioso que desferira pouco antes. A lembrança doía mais do que o latejar remanescente nos nós dos dedos. Por que havia atacado a criatura que jamais lhe negara consolo nas horas mais sombrias de seu desespero? Um arrepio cortou seu peito. A culpa se instalara ali como um peso impossível de erguer. Lá fora, o vento gemia contra os vidros das janelas, trazendo um presságio de terror que Jonathan não conseguia dissipar. Um gato preto, plumagem de trevas reluzindo ao luar, sempre fora visto como um mau agouro, superstição da qual ele antes zombara. Agora, depois do que fizera, essa superstição parecia uma misericórdia diante da culpa que o esmagava. Ele envolveu os braços em torno do corpo, estremecendo. Cada canto do cômodo guardava vestígio da presença de Plutão: os arranhões na cadeira de couro, o leve vestígio de pelos sob o brilho suave da lamparina, o ronronar de contentamento sempre que o gato se esfregava nas pernas de Jonathan. Tudo aquilo fora destruído em um ato impensado, movido pela fúria. Um miado suave e lastimoso rompeu o silêncio opressor. O coração dele disparou. Plutão já não se encontrava ali. Jonathan ergueu-se, cambaleante, e vasculhou o quarto escurecido. Uma nova onda de pânico subiu pela garganta, sufocando-o. O miado soou de novo, bem mais próximo — e não pertencia ao felino a seus pés, mas a um segundo gato, desconhecido, que ele nunca houvera tido. Um animal que não vira até instantes antes, ainda assim estranho e familiar. A criatura esguia, de olhos amarelos luminescentes, o fitou do canto da escrivaninha, o olhar um reflexo de julgamento frio e implacável. O sangue de Jonathan gelou. Sua mente corria a mil entre superstição e medo. Aquilo não era um gato comum. Ele deu um passo atrás, derrubando a cadeira em um estrondo que reverberou pelo vazio. O gato soltou um miado grave e assombroso, como se fosse a acusação de sua própria alma. Jonathan fugiu, engolido pela escuridão enquanto deixava o escritório — e uma culpa que nenhum ato de negação jamais poderia expulsar.
I. The Descent into Darkness
O lar de Jonathan outrora era um santuário de ordem e rotinas suaves e reconfortantes. Cada tique-taque do relógio de pêndulo no corredor, cada livro cuidadosamente alinhado na estante, cada brilho acolhedor da lareira eram testemunhos de sua zelosa administração. Plutão, sentinela incansável da casa, acomodava-se no colo de Jonathan enquanto ele trabalhava até tarde da noite. Mas, à medida que os dias encurtavam e as preocupações se acumulavam, o zumbido constante da vida de Jonathan se fragmentou em estalos agudos. Sombras se amontoavam nos cantos, o sussurro oco do vento na chaminé soava como zombaria e todo pequeno ruído — o rangido de uma tábua, o chiado de uma vela — parecia uma ameaça.
Certa noite, depois de uma discussão especialmente violenta com um associado comercial insolente, Jonathan voltou para casa de mau humor. Num acesso de raiva, ele empurrou Plutão de lado, desferiu um golpe forte demais e, horrorizado, viu os olhos do gato se arregalarem de dor. No instante em que seu punho atingiu o animal, algo terrível se rompeu em seu peito. O ódio se inflamou e, em seguida, o remorso irrompeu como uma onda prestes a afogá-lo. Aquela noite, o sono o abandonou completamente. Ele ficou andando pelos corredores, os olhos injetados de sangue, a mente a mil. Cada vez que fechava os olhos, via o olhar de Plutão: choque, traição, uma confiança irremediavelmente quebrada. E ouvia um novo som — um miado discreto que não pertencia ao seu gato. Nas horas mais sombrias, sentia-se observado. Algo se mexia na periferia da visão, uma escuridão esguia que escapava ao olhar direto. Certa vez, reunindo coragem para acender seu lampião, ele viu dois olhos luminosos refletindo de volta do topo da escada. Seu coração trovejou nos ouvidos. Ele chamou, com a voz trêmula, mas nenhum gato respondeu. Subiu correndo as escadas para verificar o quarto de Plutão, encontrando-o vazio — exceto por um único e profundo arranhão na moldura da porta, como se algo houvesse cravado as garras para entrar ou reivindicar seu troféu. Mais tarde, juraria ter visto pelos negros presos na madeira estilhaçada.
Na manhã seguinte, os funcionários encontraram o escritório em completo desassossego: cadeira tombada, vela partida, um borrão de pelos escuros no tapete e a marca de uma pata impressa nas brasas apagadas junto à lareira. Ainda assim, Plutão desaparecera sem deixar vestígio. A culpa corroía a sanidade de Jonathan, e sussurros começaram a invadir sua mente: seria o espírito de Plutão? Ou algo ainda mais sinistro? Ele evitou o escritório por dias, deixando lanternas acesas em cada corredor, mas o mal-estar só aumentava. Sombras se moviam com propósito; correntes frias acariciavam sua nuca. Um a um, objetos pessoais sumiam, para depois reaparecer em grotescos tableaux — a coleira de Plutão pendurada na maçaneta, com o guizo trancado; suas pantufas favoritas dispostas em círculo sob a mesa de jantar, como se participassem de um ritual infernal. A cada ocorrência, a sensação de estar sendo observado se intensificava até que ele não suportou mais o peso de seu próprio remorso.
Suas noites se transformaram em pesadelos febris: o olhar gélido do gato preto, o arranhar das garras em sua pele, o miado pesaroso e ao mesmo tempo recriminador que não lhe dava descanso. Jonathan emagreceu, com olheiras profundas. Passou a falar sozinho, conferindo compulsivamente cada cômodo, cada grade de lareira. Enquanto lutava contra as correntes de culpa que ele mesmo forjara, o felino vingativo — seja lá o que fosse — aproximava-se, perseguindo cada um de seus instintos. Aquilo era apenas o começo de um terror que deixaria Jonathan à beira da loucura…
Conclusion
A última e desesperada decisão de Jonathan ocorreu em uma noite sem lua. A casa repousava em silêncio, vazia de funcionários e de qualquer sinal de vida, exceto pelo fraco brilho de uma única vela acesa no canto mais remoto do escritório. Movido pela culpa e pelo implacável perseguir de garras invisíveis, Jonathan voltou sorrateiro para aquele cômodo onde tudo começara. O coração batia tão forte que parecia ecoar em seus ouvidos enquanto ele se aproximava da escrivaninha, agora despojada de papéis e adornos, à exceção da coleira de Plutão, fria e intocada. No lar, repousava uma brasa incandescente: uma única chama acusadora, que parecia arder com sua própria indignação moral. O ambiente estava carregado de silêncio — e de algo mais: um movimento quase imperceptível acima da lareira. O olhar de Jonathan seguiu uma mecha de sombra até enxergar: dois olhos amarelos e luminosos brilhando na penumbra. Seu sangue gelou. O espectro do gato reapareceu, o pelo eriçado, o rabo chicoteando em fúria silenciosa. Por um instante, Jonathan sentiu-se atraído por aqueles globos luminosos, forçado a encarar a traição que infligira à criatura tão leal e afetuosa. O remorso que ele temera não era nada comparado ao horror corrosivo daquela retribuição cósmica. Paralisado, ele viu a vela oscilar e as brasas crepitar. O cômodo explodiu em uma cascata de faíscas quando as janelas se escancararam, e um vento uivou pelas frestas. O gato saltou para o chão, pousando atrás da escrivaninha, e Jonathan, tomado pela histeria, investiu para calar de vez a acusação. Contudo, o peso de seu medo e sua culpa voltou-se contra ele: tropeçou no tapete caído, estatelou-se na lareira e sentiu as brasas ardentes queimarem sua pele. Ele gritou, e naquele instante, o gato surgiu diante dele, incólume, os olhos refletindo não malícia nem triunfo, mas apenas tristeza. A última imagem que Jonathan viu antes de desmaiar foi a pata macia do felino erguer uma brasa incandescente e pousá-la em seu peito. Ao amanhecer, os criados o encontraram e descobriram apenas um monte de cinzas na lareira e os restos carbonizados do escritório. Sem corpo, sem vestígio de Plutão — apenas a coleira, pousada ereta em uma cadeira quebrada, enegrecida e chamuscada. Desde então, dizia-se que a velha mansão Whitaker era assombrada pelo miado suave e lamentoso de um gato preto, lembrando a todos que a crueldade nunca fica impune e que alguns laços, uma vez quebrados, exigem uma dívida que jamais poderá ser paga por completo.