Carmilla: A Obsessão à Luz da Lua

21 min

A solitary castle bathed in silver moonlight on the Irish coast teeming with secrets

Sobre a História: Carmilla: A Obsessão à Luz da Lua é um Histórias de Ficção Histórica de ireland ambientado no Histórias do Século XIX. Este conto Histórias Poéticas explora temas de Histórias de Romance e é adequado para Histórias para Adultos. Oferece Histórias Divertidas perspectivas. Uma novela gótica irlandesa de desejo, mistério e noite eterna.

Introdução

Sob o pálido brilho de uma lua prateada, as antigas muralhas do Castelo Kilpatric se erguem envoltas em filamentos de névoa marinha e memórias há muito esquecidas. Neste remoto reduto costeiro, onde ameias açoitados pelo vento guardam segredos mais antigos que a própria pedra, começa a se desenrolar uma história de atração irresistível e desejo proibido. A jovem preceptora Laura Freeman chega para cuidar da débil pupila do General von Spielsdorf, o aristocrata senhor da propriedade. Ecos fluem pelos corredores iluminados à luz de velas enquanto passos distantes acompanham o compasso de seu próprio coração. Quando a misteriosa Carmilla Karnstein surge — esguia, etereamente bela, com olhos como opalas negras e voz que treme de fome oculta — Laura sente um despertar profundo em seu íntimo. Cada encontro — um fio de cabelo deslizando por ombros nus, um convite sussurrado sob arcos arqueados, uma promessa murmurada ao crepúsculo — puxa-a para uma teia embriagante. Sob o manto lunar que se reflete nos pisos de carvalho entalhado e sombras que se enroscam em tapeçarias carmesim, a inocência colide com a tentação. Em sonhos, Laura pressente lábios pálidos roçando seu pescoço e o sussurro de um anseio inumano em seu ouvido. Ao amanhecer, não resta rosa sem a mancha vermelho-sangue do entardecer, nem memória que não estremeça de suspeita. Entre charnecas irlandesas açoitadas pelo vento e margens varridas pela tormenta, amor e temor entrelaçam-se como hera em pedra ancestral. Prepare-se para adentrar um reino iluminado pela lua onde o desejo tem gosto de eternidade, onde a linha entre vida e morte reluz afiada e onde uma obsessão singular pode ser mais forte que qualquer vínculo mortal.

Sombras na Floresta

Ao cair da tarde, Laura percorreu os arredores das muralhas inflamadas do castelo, atraída por um impulso que não podia nomear nem recusar. A floresta erguia-se como uma catedral de carvalhos retorcidos, cujos galhos antigos se estendiam rumo a um céu roxo e machucado pelo dia moribundo. Raízes emaranhadas serpenteavam pelo solo coberto de musgo, e cada fôlego que Laura tomava trazia o cheiro de folhas úmidas e encantamentos adormecidos. Ela parou em uma clareira onde o vento tremia entre bétulas esguias, despertando memórias de uma canção de ninar que a assombrava desde o primeiro sussurro de Carmilla na noite. Ali, na beira de sua visão, uma figura se moveu — delicada, pálida e impossível de discernir — vestida com um manto escuro bordado por espinhos em espiral. O coração de Laura trovejou quando Carmilla emergiu das sombras, sua silhueta recortada contra o céu prateado. Um lampião pendurado em um galho próximo lançava um brilho que delineava os traços de seu rosto como luz derretida. As faces de Laura coraram de calor quando Carmilla se aproximou, cada passo um silencioso aviso de perigo e deleite. O sub-bosque cintilava com o orvalho que brilhava como lágrimas aos pés da vampira, e no silêncio que se seguiu, palavras tornaram-se supérfluas. Laura estendeu a mão, os dedos acariciando o pulso de Carmilla, ali onde o pulso batia lento e decidido. Um tremor percorreu as veias de Laura, como se o ar entre elas aprisionasse as batidas de um único coração. Um rouxinol cantou ao longe, sua melodia fervendo de desejo, e Laura percebeu que a própria floresta prendera a respiração. Os olhos de Carmilla brilharam com uma fome consciente e desinibida, convidando Laura a um mundo tecido de noite aveludada e devoção espinhosa. Cada fibra de seu ser clamava por recuar, mas ela permaneceu enraizada, enfeitiçada pela cadência sedosa da voz de Carmilla. “Junte-se a mim”, sussurrou a vampira no ar, “e prove a eternidade que ofereço.” A mente de Laura revirou-se diante do convite, dilacerada entre o terror e uma saudade que soava como destino chamando-a. A floresta fechou-se ao redor, galhos formando uma abóbada de votos sussurrados e antigos ritos de sangue. Naquela penumbra sagrada, Laura sentiu-se suspensa entre mundos, à beira de um abismo onde medo e desejo se entrelaçavam em igual medida.

 Clareira na floresta brumosa ao entardecer, com uma silhueta tênue envolta em sombras
Uma clareira escondida na floresta, onde a névoa do crepúsculo esconde segredos perigosos.

O luar traçava filigranas de prata nos traços de Carmilla enquanto ela conduzia Laura para o coração da mata. O aroma de casca molhada e rosas selvagens pairava no ar, mesclado a um fundo de algo mais sombrio — como sangue aquecido pela febre. Laura engasgou ao avistar runas ancestrais gravadas em uma pedra coberta de musgo, símbolos que dançavam à luz da lanterna e escondiam histórias de sacrifício. Carmilla afastou trepadeiras de hera, revelando um altar de granito curvado pelos séculos de rituais. Ali, o mundo parecia oscilar; o silêncio da floresta pesava como algo palpável, como se a própria natureza conspirasse nos ritos de Carmilla. Os lábios da vampira curvaram-se num sorriso suave e enigmático. Ela ofereceu a Laura um cálice esculpido em osso, frio como mármore. Laura vacilou, a mão tremendo sobre a borda, consciente de que um gole a levaria a um limiar sem retorno. O líquido no cálice capturava o brilho da lua, girando em tons de rubi e crepúsculo. O sussurro de Carmilla era um abraço: “Beba”, murmurou ela, “e una-se a mim na noite eterna.” Um calor se espalhou pelo peito de Laura à promessa daquele abraço imortal, mas uma voz interior soou um alerta sutil, pedindo cautela. As lembranças de seu próprio batimento mortal ecoavam em seus ouvidos, prova frágil de vida que vibrava a cada pulsar. Ainda assim, o olhar de Carmilla a mantinha cativa, o mundo reduzido à curva de sua garganta, ao rubor de seus lábios, ao sussurro de sua respiração. Naquele instante, Laura percebeu o tempo se desenrolando, séculos se dobrando num único suspiro eterno. Ela ergueu o cálice aos lábios, os sentidos em chamas — o sabor metálico do líquido misturava-se à doçura aveludada ao tocar sua língua. O pânico ardeu, mas foi eclipsado por um êxtase que inundou suas veias e incendiou seus nervos. Carmilla observava com reverência quase solene enquanto os olhos de Laura se fechavam, sua vontade cedendo ao santuário sombrio que a vampira oferecia. Quando Laura os abriu de novo, a noite havia se enegrecido em obsidiana, e a floresta murmurava uma canção de espinhos e rosas, selando seu pacto em sombras eternas. Galhos se desenrolavam acima como braços de ancestrais antigos, testemunhando aquele convênio de carne e desejo. O ar vibrava com segredos mais velhos que qualquer memória mortal, enquanto estrelas pulsavam vagamente pela treliça do dossel. Laura desabou nos braços de Carmilla, não por medo, mas numa rendição que sabia a anseio e pavor maravilhoso. Sob o véu da noite, suas silhuetas se fundiram num só contorno, testemunho indelével de um afeto que transcendia o limite mortal. A floresta exalou ao redor, folhas tremendo como numa bênção, enquanto em algum lugar lá no alto, a lua se arqueava como testemunha pálida de sua alegria e de seu pecado.

Ao romper do dia, Carmilla e Laura emergiram do abraço do bosque, seus corpos envoltos em sombras vacilantes e gotas de orvalho que se agarravam aos trajes como lágrimas. O caminho que trouxera Laura até Carmilla agora se estendia em luz incerta, cada passo marcando a fronteira entre o mundo que ela conhecia e o pacto sombrio que aceitara. O bufar distante do chifre do General von Spielsdorf cortou a névoa das charnecas, convocando-a de volta ao dever e à frágil segurança da claridade. O coração de Laura batia com uma nitidez inédita, uma euforia aguçada pelo saber de que bebera no cálice da imortalidade. Carmilla parou na beira da floresta, o olhar demorando-se no céu tingido de aurora como se saboreasse o nascer do sol pela primeira vez. “Voltaremos”, prometeu, voz suave como brisa entre juncos, “mas lembre-se, minha querida Laura, que o abraço da noite espera sempre que teu sangue sussurrar meu nome.” Laura tocou a bochecha da vampira, sentindo o frio e a promessa, e assentiu. Quando sua mão se soltou, a figura de Carmilla esmaeceu em névoa, um último afago de vento nos lábios de Laura. Sózinha, ela avançou pelo caminho encharcado de orvalho, cada pegada um juramento silente à devoção obscura que agora amarrava sua alma. O sol nascente dissipou os últimos fios de sono de seus olhos, mas não pôde apagar a brasa de anseio acesa por Carmilla. Sob sua pele, o sangue de Laura cantava uma alegria voraz — canção que ecoaria por cada corredor sombrio do Castelo Kilpatric e além, perpetuando a memória de beijos à luz da lua e votos selados em sangue pela eternidade.

Sussurros do Desejo

Nos salões majestosos do Castelo Kilpatric, a dança do desejo e do temor recomeçava sob o tremeluzir das velas. Cortinas de veludo bailavam em brisas invisíveis, enquanto espelhos imponentes refletiam cada suspiro trêmulo e cada rubor pálido. Carmilla movia-se com graça felina entre colunas de mármore, sua risada soando como uma melodia que se enrolava em Laura como corda de seda. Servos agitavam-se nos corredores além, silenciados por um decreto tácito que vedava qualquer menção à nova preceptora do castelo — companhia de Carmilla e, sem saber, sua presa. Laura, os sentidos ainda vibrando com o pacto noturno, seguia Carmilla por passagens esculpidas com bestiários heráldicos, cujos olhos pétreos pareciam julgá-la e seduzi-la ao mesmo tempo. No centro do salão, erguia-se uma estátua de alabastro: uma mulher de olhar inerte, mãos de pedra segurando uma rosa cujas pétalas se haviam desfeito em pó. Carmilla deteve-se ao lado da escultura, a ponta dos dedos acariciando o pulso de mármore com reverência. “Esta era ela”, sussurrou, voz um arrepio no ar, “uma mortal que amou profundamente.” Laura estremeceu, sentindo o peso de séculos pressionar-lhe o coração. As paredes reluziam com lembranças sussurradas de devoção sangrenta e pétalas de rosa espalhadas. Por um corredor iluminado por arandelas ornamentadas, Carmilla conduziu Laura a uma câmara oculta trancada por portões de ferro. Além deles, o ar era frio e metálico, perfumado com couro envelhecido, notas sutis de flores e algo ainda mais inquietante. Tochas alinhavam-se nas paredes de pedra, projetando sombras dançantes sobre baús e curiosidades vindas de terras distantes: frascos de vidro contendo líquidos que cintilavam como luz estelar aprisionada, tapeçarias ilustrando rituais vampíricos e tomos encadernados em couro que jamais perdoariam olhos curiosos. Carmilla fechou o portão com um clique suave e voltou-se para Laura, os olhos refletindo a luz das tochas como dois fornos ardentes. “Aqui, nesses santuários silenciosos,” declarou, passos lentos e deliberados, “guardo os fragmentos do meu passado, os resquícios de cada coração que toquei.” Laura sentiu a coluna se curvar sob um aperto que era gratidão e pavor ao mesmo tempo. O silêncio da câmara ecoava o suave baque de seu próprio sangue, e ela compreendeu que aquele lugar continha mais que relíquias — carregava o peso de eras e um amor que nenhum túmulo poderia conter. Carmilla estendeu a mão, dedos finos roçando o vidro de um frasco onde girava um líquido de profundezas carmesim. “Há quem sede, quem ofereça, quem se alimente,” murmurou, voltando-se a Laura com olhar faminto e derrotado. “Já vivi todas as partes, minha querida. E agora ofereço a você a chance de escolher qual delas deseja ser.” Laura prendeu a respiração ante o convite, como se as próprias paredes conspirassem na sedução de Carmilla. O frasco tremeu entre elas, cálice sagrado repleto de fome, desejo e promessa de noites eternas. A pele de Laura arrepiou-se sob o peso da escolha: beber significava transcender seus limites mortais e renunciar ao delicado esplendor da humanidade. Ainda assim, as trevas do castelo a mantinham em cativeiro, cada sombra ecoando a voz de Carmilla e cada batida de seu coração aproximando-a do desconhecido. Do lado de fora, um vento sacudiu o portão de ferro, como se o próprio tempo desejasse participar de seu encontro clandestino.

Câmara gótica iluminada por velas, com mobiliário ornamentado e uma figura sombreada
A luxuosa câmara onde a presença de Carmilla borra a linha entre realidade e imaginação

Um silêncio tomou conta do corredor enquanto Carmilla conduzia Laura para longe da câmara, cada passo gravado pela gravidade de verdades não ditas. O grande relógio do castelo marcou a chegada da meia-noite, seus sinos retumbando pelos corredores como um decreto solene. A cabeça de Laura zumbia com perguntas que ela não ousava formular, pois a presença de Carmilla era bálsamo e lâmina — suave em sua familiaridade, porém afiada por fome infinita. Na galeria acima, retratos a óleo de antepassados severos vigiavam-nos de molduras douradas, seus olhares de tinta acusadores e fascinados em igual medida. Carmilla deteve-se diante de um deles — uma mulher vestindo cetim esmeralda, olhar firme e lábios entreabertos num sorriso secreto. “Condessa Elmhurst,” murmurou, traçando a bochecha pintada com a ponta dos dedos. “Ela foi minha primeira. Uma alma gentil que acreditou no amor, que deu tudo por uma promessa que não podia cumprir.” Laura prensou a palma da mão contra a boca, sentindo lágrimas formarem-se nos olhos. O olhar da condessa Elmhurst parecia vivo, como se o retrato tivesse capturado seu último suspiro. Carmilla segurou a mão de Laura, virando-a para uma janela baixa que dava para o pátio banhado pelo luar. Raios prateados delineavam folhas caídas, suas bordas como lágrimas rendadas sobre a pedra. Abaixo, a hera escalava as muralhas do castelo, implacável como a memória. Laura viu um corvo solitário pousar perto do portão, o olho de ônix fixo em sua silhueta. O pássaro trouxe um arrepio à espinha de Laura, mas Carmilla sorriu — um gesto que misturava conforto e alerta selvagem. “O coração dela foi meu para sempre,” sussurrou, voz entrelaçada no ar noturno, “e agora, querida Laura, reclamo o seu em troca.” As palavras dançaram sobre a pele de Laura como flocos de neve em testa febril, e ela sentiu sua identidade desprender-se, atraída por uma inevitabilidade tão antiga quanto as pedras sob seus pés. A garganta de Laura apertou-se ao perceber os membros tremerem de uma sede que não podia negar nem compreender. A lareira ficara fria atrás delas, deixando a galeria imersa num crepúsculo prateado. Ainda assim, no abraço de Carmilla, Laura encontrou um calor mais potente que as chamas — um consolo que tremulava de desejo e um profundo e indizível anseio.

O corredor final estendia-se adiante, fileiras de portas prometendo santuário ou sepulcro. Os passos de Laura vacilaram quando o silêncio se adensou, o ar impregnado pelo perfume de jasmins noturnos flutuando em vasos invisíveis. Carmilla parou diante de uma porta entalhada com a imagem de um corvo segurando uma gota de sangue no bico. “Este é meu,” disse, voz baixa como vento triste, “meu refúgio e minha prisão.” Ela conduziu Laura para dentro, onde um grande leito de dossel se erguia vestido em tecidos escarlates que ardiam como brasas na luz tênue. As paredes estavam forradas de livros encadernados em couro e osso, e uma vitrine exibia uma única rosa preservada em seiva cristalizada. Laura pisou no tapete felpudo, as fibras sussurrando sob suas solas. Na mesinha, havia uma ampulheta cravada em garras prateadas, a areia cor de castanha fina como granada em pó. Carmilla fechou a porta e envolveu Laura num abraço lento, a respiração fria porém fervorosa contra sua pele. O silêncio da noite apertava-se, e o pulso de Carmilla já não balizava o tempo de Laura — restava apenas a escuridão. “Aqui,” murmurou Carmilla, voz trêmula com a mesma gravidade da maré, “partilharemos um último momento mortal antes que a noite nos consuma por completo.” Os lábios de Laura se entreabriram, trêmulos num coquetel de medo e devoção. A luz das velas dançava sobre as mãos entrelaçadas, pintando-as de ouro quente e sombra fria. Lá fora, as torres do castelo recortavam-se contra o céu salpicado de estrelas, sentinelas silenciosas da paixão que se desdobrava ali dentro. Naquele aposento, o tempo dissolveu-se, e dois corações bateram em sinfonia sombria — um canto de ninar entoado à luz das estrelas, onde posse e rendição eram um só. Quando o primeiro raio de luar invadiu a janela guilhotinada, Laura e Carmilla jaziam entrelaçadas, testemunho singular de uma obsessão que jamais cedera à aurora.

Confronto ao Amanhecer

Quando os dedos esguios do amanhecer se insinuaram pelas janelas de vitral do castelo, Laura despertou sob um dossel de seda cor-de-rosa, a pele ainda formigando pelos votos sussurrados na noite. O silêncio era quase sagrado, interrompido apenas pelo eco dos cães de caça distantes e pelos passos solenes dos sentinelas nas muralhas. Laura ergueu-se, a mente turva por sonhos que pareciam mais reais que o acender das velas, e rumou ao quarto de Carmilla — caso realmente pertencesse à vampira, era agora sepultura e santuário. Encontrou a porta entreaberta, e a luz derramava-se como lágrimas pálidas sobre o chão de mármore, limpo de qualquer traço de ordem estatística. Lá dentro, Carmilla jazia em repouso crepuscular sobre um estrado esculpido para lembrar as pétalas de uma rosa aberta, a face ainda corada pelo último eco do ritual de sangue que as unira. Laura deslizou pelo cômodo como uma brisa cuidadosa, ajoelhou-se ao pé do estrado e passeou as pontas dos dedos pelo veludo frio do vestido da vampira. Não havia fôlego mortal para marcar o peito da mulher, mas cada batida do coração de Laura reverberava pelos salões silenciosos como tambores fúnebres. Ela inclinou-se, sussurrando no cabelo escuro de Carmilla, e o luar prateado prendeu-se nas mechas como vitrais sombrios. Um tremor percorreu o braço de Laura ao oferecer-lhe um carinho suave, metade saudades, metade temor. O mundo contivera a respiração enquanto a luz da aurora avançava por medidas relutantes, recusando-se a manchar as pétalas da noite com demasiada clareza. O reflexo de Laura ondulou num espelho empenado atrás do estrado, uma gêmea pálida entre o crepúsculo e o romper do dia. Naquele instante de antecipação, ela sentiu o peso da lâmina oculta em seu lado — um legado que outrora servira à justiça, agora erguido para um confronto que testaria os limites de sua devoção. Cada batida de seu coração soava um aviso de que amor e dever entrelaçavam-se em seu peito como espinhos, implacáveis em seu abraço. Laura pousou a mão no punho da espada, deixou o aço frio roçar a palma e percebeu a promessa de fim em sua lâmina. No corredor lá fora, a silhueta de Carmilla dançava na pedra como sombra viva, e Laura seguiu os passos silentes por passagens estreitas onde tapeçarias retratavam anseios imortais. O próprio castelo parecia inclinar-se, os lábios de pedra entreabertos para aspirar seu derradeiro enredo. A mão de Laura apertou a empunhadura enquanto ela avançava em direção à capela em ruínas onde se haviam encontrado pela primeira vez, sob o disfarce de santuário. Antes local de devoção mortal, agora consagrado a um pacto mais sombrio, o recinto exibia bancos cobertos de teias de aranha e pétalas de rosa manchadas pelo tempo. Lá, na penumbra sem velas, no extremo final, Carmilla esperava de costas voltadas, mãos dobradas sobre um altar de mármore gravado com o selo von Spielsdorf. O silêncio recrudescia, e Laura soube que naquela fração de segundo, escolha e destino dançavam em conjunto diante de um crisol mudo. Ela ergueu a voz, cada sílaba trêmula, porém resoluta. “Carmilla”, chamou, o aço cintilando na aurora moribunda, “amei a noite que você me deu — mas não posso renunciar ao dia para sempre.” A cabeça de Carmilla virou-se lentamente, luar e sol nascente tingindo seu rosto, e por um instante a eternidade tremulitou entre elas como chama vacilante. Os olhos de Carmilla, poços de noite infinita, não revelaram medo — apenas compaixão eterna retorcida numa lâmina. “Então escolha, minha amada”, respondeu, voz suave como suspiro final, “entre a chama do teu coração e a sombra do meu abraço.” Os primeiros raios de sol inundaram o altar, acendendo partículas de poeira num arco-íris fragmentado, bênção silenciosa da transição. Laura inalou o calor da aurora, sentindo o sal do vento marinho soprando pela vidraça estilhaçada, e percebeu as últimas guerras interiores convergirem num ponto único de verdade. Tristeza e determinação lutaram em suas veias até que ela tomou sua decisão num único, trêmulo exalar. Ao erguer a lâmina, a luz reluziu em seu gume, refletindo a esperança frágil que antes habitava apenas seus sonhos. Carmilla avançou, braços abertos em convite, lábios curvados como a última rosa de outono. O momento estendeu-se entre estrelas e raios de sol, um derradeiro encontro de fé e destino num mundo onde promessa de amor e certeza da morte se entrelaçavam.

Névoa subindo de um terraço de pedra ao amanhecer, com vista para uma propriedade silenciosa.
A terraça onde segredos se revelam sob a primeira luz da manhã

O aço encontrou a carne num choque sussurrado que reverberou na capela abobadada, enviando tremores a cada pedra e a cada oração lapidada nas paredes. O braço de Laura tremeu, seu estômago se enlaçando no terror de sua própria força, quando a face pálida de Carmilla floresceu com a primeira mancha do decreto vermelho da vida. O olhar da vampira, ainda terno na dor, prendeu-se ao de Laura como se buscasse perdão e gratidão em igual medida. A cada passo de Laura para trás, rumo à janela estilhaçada, uma gota do sangue de Carmilla caía — flores carmesim desabrochando no silêncio aos seus pés. O altar entre elas testemunhou um pacto quebrado e recriado, sua superfície de mármore regravada pela varredura do sacrifício. Lá fora, o sol subia, incendiando fragmentos de vitral que lançavam cores vívidas pelo chão, chuva silenciosa de bênçãos. Laura ajoelhou-se ao lado de Carmilla, a palma trêmula pressionada sobre a ferida, suas lágrimas misturando-se aos lagos de luz que tremulavam ao redor. A respiração de Carmilla era frágil, cada exalar um farfalhar como asas em luta contra a gravidade. “Eu escolhi”, sussurrou Carmilla, voz rouca de espanto e arrependimento, “te dar o amanhecer de novo.” As lágrimas de Laura caíam, cada gota um testemunho do laço que as unia — sangue, amor e a dor impossível que pulsava em suas veias. O mundo fora da capela contivera o fôlego, o canto dos primeiros pássaros hesitando no silêncio da redenção. Com um último gesto terno, Laura fechou os olhos de Carmilla, selando a promessa num suave benzer que ecoou em seu peito como mistura de luto e gratidão. A espada jazia esquecida no batente, a lâmina embotada pela compaixão, enquanto Laura erguia-se na claridade crescente, carregando a memória de Carmilla como chama preciosa. Cobriu-se com o manto da vampira, o veludo ainda impregnado do perfume de flores noturnas e clareiras secretas. Cada gesto era sagrado, ritual de amor, saudade e esperança entrelaçados ao ritmo de um coração que jamais esqueceria.

Ao atravessar o limiar da capela, o ar matinal envolveu-a como água batismal — purificador e gélido. O martelar de seu coração acompanhava o badalar distante de um sino de igreja, marcando um fim e um começo simultâneos. Atrás, o corpo de Carmilla jazia imóvel no estrado, pálido como a aurora e mais suave que qualquer indício angelical. Laura ajoelhou-se junto à parede, selou os lábios no mármore onde a vampira repousara a última mão — toque derradeiro que transcendia a fragilidade da carne. Um silêncio profundo caiu, e Laura pronunciou um voto no vazio, palavras tecidas de devoção e arrependimento. “Eu me lembrarei”, prometeu com voz firme de reverência, “do abraço noturno que partilhou e do amor que desafiou toda sombra.” O castelo pareceu suspirar, como reconhecendo seu juramento em pedra e cal. Flores do fonte antigo da capela desabrocharam na brisa que se seguiu — lírios brancos e rosas sombrias entrelaçando-se num hino silencioso. Laura ergueu-se, sua silhueta recortada pelo sol nascente, e voltou-se com o coração pesado pela ausência, porém impulsionado por um propósito novo. Percorreu o pátio orvalhado, cada passo uma promessa silenciosa de que o legado de Carmilla viveria em cada vela acesa, em cada espelho que captasse o luar, em cada batida que ousasse perseguir a escuridão. Além do portão, as charnecas selvagens se estendiam sem fim, um mar verde banhado por sombras violetas e névoa matinal. Laura deteve-se no alto da colina, passou os dedos sobre a lâmina ancestral que um dia empunhara e a deslizou de volta na bainha oculta sob o manto. Num último suspiro decidido, direcionou o olhar ao horizonte onde terra e céu se encontravam, levando consigo a memória da obsessão lunar de Carmilla como chama viva.

Conclusão

À luz pálida do amanhecer, Laura permanece no terraço onde Carmilla sussurrava segredos de devoção imortal e desejos carmesins. Os primeiros raios do sol queimam o véu sombrio que a vampira havia tecido na mente de Laura, mas os ecos de beijos aveludados e lábios frios persistem como melodia assombrosa em seu pulso. O Castelo Kilpatric, drenado de luar e silêncio, guarda na memória as noites em que a realidade se curvou à vontade de uma paixão implacável. Laura segue adiante com o legado daquele anseio — dor ao mesmo tempo terrível e sublime — que se recusa a esvanecer com o tempo. Apesar dos horrores que enfrentou, não pode negar a verdade que descobriu: amar é arriscar uma saudade imperecível que transcende carne e sangue. No silêncio que resta, ela pressente a promessa de Carmilla ecoando além da morte, canção de ninar entoada sob céus estrelados, tecendo o destino de Laura numa tapeçaria de lembranças e desejos. Embora as páginas deste conto se encerrem sob a luz do dia, a noite do coração não se fecha. Ela aguarda no fundo de cada espelho, no vazio dos corredores esquecidos, pronta para despertar mais uma vez o doce e perigoso canto da obsessão lunar.

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