Introdução
Antes que o fogo chegasse ao povo, o mundo jazia envolto em um crepúsculo interminável e num frio de gelar os ossos. Não havia sequer um lampejo de chama para aquecer as lareiras quando o sol desaparecia além das mesas do oeste. Os aldeões se encolhiam dentro de habitações esculpidas no penhasco, enrolando peles ao redor dos corpos enquanto o vento do deserto sussurrava segredos de um calor distante. O céu noturno brilhava com estrelas como carvões espalhados, mas oferecia apenas um olhar silencioso. Rios se transformavam em estalactites de gelo, e os animais de caça migravam para terras desconhecidas. Sem brasas estalando, nenhum pão crescia sobre pedras aquecidas, e nenhuma luz afastava as sombras que se insinuavam entre as famílias.
O Coiote, magro e de olhos cor de âmbar, percorria aquela abóbada gelada, atento a cada ruído. Ele via a saudade nos olhos humanos ao contemplarem o lar sem fogo e reconhecia uma faísca em seus corações—um desejo de conforto, de esperança. Embora fosse um trapaceiro por natureza, o Coiote sentiu um impulso de bondade em meio ao seu prazer roguish. As noites estavam frias demais até para seu corpo enxuto, e ele também ansiava por calor além do último brilho do dia.
Correu aos seus ouvidos a lenda de um reino oculto onde o fogo ardia como luz solar aprisionada, guardado por espíritos celestes num domínio acima do mundo dos mortais, promissor de calor eterno ou queda vertiginosa. Naquele vazio entre o surgimento da lua e o alvorecer, o Coiote decidiu atravessar a fronteira entre céu e terra para levar a chama à humanidade. Ele imaginou labaredas afugentando o gelo, risadas ecoando sob a luz dançante e o frio banido do pesar humano.
A Centelha do Desejo
Nos dias em que a luz do sol mal aquecia o solo, as pessoas perambulavam por mesas empoeiradas e cânions afiados sem ao menos uma faísca que afastasse o frio da noite. O ar tremeluzia sob o calor do meio-dia antes de mergulhar num congelamento profundo quando chegava o crepúsculo.
Os anciãos pressionavam os joelhos contra a testa, sussurrando preces a espíritos invisíveis na esperança de um sinal de que o fogo abençoaria suas lareiras. Crianças tremiam sob mantas trançadas, fixando o olhar no brilho acinzentado de brasas que existiam apenas em histórias. Corvo e Coruja observavam de alcovas sombreadas, suas penas farfalhando no silêncio vazio. Até o esguio coelho-silvestre parava, o focinho tremendo ao captar o rumor de calor.
O Coiote, de flanco delgado e olhar vivo, trotava pela borda de um penhasco de arenito, seus sentidos aguçados sintonizados com aquele desespero silencioso. Ele escutava o estalo do vento noturno ecoando por frestas ocultas e sentia o latejar do gelo em suas patas. A fome não o havia trazido ali, tampouco a promessa de presa. Em vez disso, ele rastreava o anseio—o desejo humano misturado a uma lembrança de brasa cravada nas entranhas do mundo.
Cada sopro de seu hálito formava névoa como fumaça, e cada pata deixava sulco tênue no chão congelado. Dizia-se que, tempos imemoriais atrás, o sol enfiara um dedo no mundo, semeando fagulhas de luz que se refugiaram em reentrâncias ocultas. Essas sementes esfriaram e viraram pedras sem centelha, embora lendas garantissem que seus rescoldos ainda ardiam sobre a vigília dos espíritos celestes.
O Coiote curvou as mandíbulas num sorriso astuto ao imaginar as criaturas guardiãs do fogo divino, convicto de que sua astúcia superaria até o guarda mais severo. Ele fez uma pausa no topo da crista vertiginosa, os músculos enrijecidos em antecipação.

A Grande Jornada
Com o primeiro brilho da aurora filtrando-se pelo desfiladeiro, o Coiote e seus companheiros partiram rumo ao reino da brasa. Deslizaram por leitos secos onde paredes de arenito amplificavam ecos de uivos distantes. O deserto ao redor cintilava como aço em brasa sob o sol do meio-dia, mas o caminho do Coiote seguia as trilhas prateadas de pedras-lua que margeavam cursos secreto.
Falcão sobrevoava, vasculhando o terreno em busca de obstáculos ocultos. Aranha arrastava-se por uma linha de seda, esticando pontes entre saliências quebradas. Sapo-cornudo cravava-se na areia fofa à frente, testando a firmeza do solo, o corpo tremendo a cada grão que cedia.
Ao meio-dia, eles venceram uma duna que parecia uma onda petrificada e fizeram pausa sob os braços esqueléticos de uma juba de junípero. O Coiote examinou o horizonte, cartografando cada crista e abismo. Dispunham de sustento simples: pinhões, vagens de mesquite torradas e pingos de água fria guardados em conchas de tartaruga. Mesmo com provisões modestas, a fome roçava os estômagos, lembrando-os do que se perderia em caso de fracasso.
O progresso foi constante, cada milha aproximando-os do reino do fogo. A luz dourada estendia-se pelo ar enpoeirado, tingindo as mesas distantes com tons quentes que atiçavam a esperança. Ao cair da noite, recolheram-se numa caverna rasa, compartilhando histórias sussurradas para preservar a coragem. O Coiote apalpou uma fissura na borda da caverna e cravou entalhes num cordão de couro para marcar cada dia de jornada, símbolos conhecidos apenas pela Corte da Brasa. A cada traço, a esperança crescia mais intensa que qualquer chama que já houvera visto.

O Roubo do Fogo
À medida que o rubor avermelhado se intensificava, as paredes ao redor começaram a exalar calor. O mundo tingia-se de tons flamejantes: veios de magma solidificados formavam veias incandescentes, enquanto o ar se encharcava do cheiro de enxofre. À frente, uma vasta caverna escancarava-se, com o teto perdido em névoa cintilante e o chão iluminado por rios de rocha derretida.
Lá dentro, duas figuras colossais faziam guarda—sentinelas forjadas em vidro vulcânico e obsidiana endurecida, seus olhos eram carvão em brasa que ardiam com atenção vigilante. Uma ostentava uma coroa de chamas vivas, a outra vestia um manto de cinzas fumegantes. O coração do Coiote bateu forte ao reconhecer o instante da verdade. Ele sinalizou silêncio; até as brasas pareciam escutar.
Aranha acomodou-se em seu ombro, os olhos oleosos refletindo o fulgor da fornalha, enquanto o Sapo-cornudo pressionava o dorso espinhoso contra seu flanco, pronto para agir. Falcão pousou num estalactite saliente, vasculhando runas escondidas que atavam as sentinelas a este mundo.
O Coiote agachou-se na beira de um saliente e estudou os padrões das criaturas: cada passo pesado tremia nas correntes de lava, e cada olhar lançado pelo abismo denunciava qualquer intruso audacioso o bastante para reivindicar o fogo. Ele tirou da bolsa um pedaço de seda de aranha umedecido em musgo fosforescente e teceu uma luz falsa que dançou por um caminho secundário. Um rosnado baixo escapou de sua garganta quando se lembrou do conselho sussurrado por Corvo: “Distraia o coração, conquiste a mão.” Com essa enigmática orientação, o sorriso do Coiote se alargou em seu focinho. O desafio estava prestes a começar.

Conclusão
No silêncio que sucedeu ao atrevido furto do Coiote, parecia que a própria terra suspirou aliviada. O fogo saltou de lar a lar, transportado em tigelas de cedro e tranças de sálvia, acendendo a esperança em cada morada. Famílias reuniram-se sob labaredas crepitantes para contar histórias, entoar cantos e soltar risadas que ecoavam pelas paredes dos cânions.
Tribos de mesas distantes viajaram para presenciar a chama que jamais se apagaria, honrando o astuto trapaceiro que uniu céu e terra em prol de seu calor. Mas o Coiote—sempre inquieto—retornou à vastidão selvagem, seus olhos ÂMBAres refletindo as fagulhas que uma vez capturou. Alguns dizem que ele ainda vagueia por planícies ao luar, ávido por novos enigmas e tesouros ocultos. Outros sussurram que, em noites frias, é possível ouvir seu uivo longínquo misturar-se ao crepitar do fogo.
Gerações se passaram desde aquela noite decisiva, mas a lenda do Coiote e do fogo roubado continua a unir as pessoas em torno das brasas de uma herança compartilhada. Cada lareira cerimonial que acende a nova chama reverencia não apenas seu calor, mas também a coragem e a generosidade que o nutriram. Por meio desse mito, aprendemos que a coragem temperada pela astúcia pode transformar a privação em bênção e que o verdadeiro poder reside nas mãos de quem sabe compartilhá-lo.