Introdução
Claire pressionou a palma da mão contra a porta de madeira desgastada, com tinta lascada e descascada após décadas de tempestades, sol e neve. No interior, a cabana estava sombria, o ar denso com o cheiro terroso de madeira úmida e agulhas de pinho que entraram pela brisa. Ela encontrara aquele lugar online, um antigo chalé de caça no ponto mais remoto da floresta setentrional, longe do burburinho do trânsito e de olhares julgadores. A solidão a atraiu depois que a cidade começara a parecer pequena demais, a respiração curta, os prazos e expectativas sufocantes demais. Ali, ela esperava poder escrever livremente e recuperar a clareza perdida meses antes. Sem internet, sem sinal de celular — apenas seu caderno, uma caneta e a natureza indomada.
No extremo oposto da sala principal, uma janela fora grosseiramente pregada com tábuas largas de pinho envelhecido, escurecidas por mofo e pelo tempo. As tábuas bloqueavam a única vista da floresta lá fora, como se algo no lado de fora tivesse forçado os ocupantes anteriores a se trancarem ali dentro. Apesar da penumbra, Claire sentia-se atraída pela janela; o silêncio ao redor daquelas tábuas era mais pesado do que em qualquer outro canto da cabana. Estremeceu ao se aproximar. Os pregos estavam enferrujados e a madeira rangia sob a ponta dos dedos. Quem pregaria uma janela e depois abandonaria a cabana? Ela se afastou, acendendo um abajur para afastar as sombras que se acumulavam. O vento aumentou lá fora, sacudindo as venezianas, e por um instante Claire achou que ouviu uma batida suave na janela por trás das tábuas. Parou. A batida voltou — deliberada, lenta, quase curiosa.
O coração disparou no peito, a dúvida e o pânico cresceram. A cabana devia estar vazia. Sem zelador, sem passante. Racionalizou que devia ser um animal ou o eco do vento. Ainda assim, o som soava pessoal, como se alguém tentasse falar do outro lado da madeira. Tremendo, ela cuidadosamente desfez a mala, estendendo um cobertor, uma pilha de cadernos e o laptop — inútil naquele vazio digital, mas, ainda assim, reconfortante. A cada rangido do assoalho e rajada de vento contra a porta, a tensão de Claire se apertava. Acendeu uma segunda lanterna e a colocou na mesa em frente à janela pregada. As sombras dançavam entre as tábuas e, à luz da luminária, a escuridão parecia viva.
O jantar foi sopa enlatada e biscoitos murchos, comida silenciosa enquanto o vento uivava lá fora. A chuva tamborilava no telhado em ritmos irregulares. Claire forçou-se a escrever: as palavras saíam travadas, cada frase uma batalha. A tempestade e o isolamento impregnavam sua narrativa. Tentou concentrar-se na história da cabana — registros antigos diziam que ela fora erguida nos anos 1920 por uma família que desapareceu num inverno, alegando apenas “sons estranhos”. Esses rumores foram o que mais a atraíram. Já era tarde demais para recuar. Fechou o caderno e recostou-se na cadeira, olhando para a janela pregada como se ela guardasse um segredo que pudesse ser revelado ao seu olhar. Depois de um longo instante, piscou. Então, de novo, o som: uma batida suave, deliberada, rítmica. Tac… tac… tac.
Relâmpagos iluminaram uma fresta na parede norte, seguidos de trovões que sacudiram o chão. Naquele lampejo, Claire achou ter visto movimento atrás das tábuas — algo fino, comprido, deslizando na penumbra. Ofegou, o coração gelando. As tábuas não haviam se movido, mas no clarão algo passou pela lasca de vidro quebrado no alto. Seria um galho? A pata de um animal? A casa estava lacrada, mas ela sabia, com uma certeza sobrenatural, que aquela janela escondia mais do que madeira apodrecida e pregos enferrujados. Conforme a tempestade rugia e a noite se aproximava, Claire percebeu que o que quer que vivesse lá fora não se prendia à lógica. Eles observavam. E queriam entrar.
A Fissura na Solidão
Na manhã seguinte, Claire explorou a cabana e seus arredores imediatos. Do lado de fora, além dos degraus apodrecidos e da vegetação densa, a floresta erguiase alta e silenciosa. O musgo pingava dos pinheiros, e um silêncio inquietante pairava sob o dossel. Ela subiu um barranco atrás da varanda, descobrindo uma pequena clareira onde pegadas — humanas — haviam sido marcadas na terra macia. Eram recentes, profundas demais para serem apenas detritos; alguém se aproximara da cabana pouco antes. O medo escorreu pela mente de Claire, mas a determinação teimosa também. Riscou notas: “Sinais de visitante. Nenhuma trilha além da clareira.” Qualquer ilusão de solidão que tivera evaporara.

Lá dentro, a janela pregada parecia um sentinela silencioso. Claire retirou uma tábua para investigar o vidro original, só para descobrir que ele estava estilhaçado, os cacos deixados como dentes afiados. Calçou luvas e guardou os fragmentos num pano. Por que fechar uma janela quebrada em vez de trocar o vidro? Cada pista aprofundava o mistério até Claire quase acreditar nos rumores antigos: a floresta aqui jamais deixava suas vítimas irem.
O rádio antigo indicava que a tempestade duraria mais um dia. Sem energia, sem telefone. Encheu sua garrafa de água na pia manchada e esticou-se numa cama estreita, mas o sono não vinha. Dormir era perigoso quando algo pressionava o outro lado daquelas tábuas. Acendeu velas e anotou todo ruído no caderno — cada estalo da madeira, cada rajada contra as beiradas — e percebeu que registrara dezenas de batidas e toques desde a manhã. Algo circulava a cabana, testando-a, sondando-a. Seria um animal? Uma pessoa? Ou algo inteiramente diferente?
A noite caiu rápido depois que o céu se abriu, e Claire reforçou as tábuas do batente com pregos extras. Depois sentou-se à lareira, segurando um cobertor nos ombros. O uivo da tempestade recomeçou. Ela encarou a janela pregada até os olhos arderem. Então, inconfundível: uma batida lenta e única. Tac. Uma pausa. Tac… tac. Na própria madeira, baixa e medida. Algo ou alguém a chamava. Claire encostou o ouvido na porta em busca de resposta, mas a cabana respondeu apenas com gemidos. Afastou-se, o pulso martelando.
Escreveu: “Se você estiver aí fora, não te escuto. Se algo está por trás disso, bata mais forte ou vá embora.” E, por um instante, a tempestade pareceu atender. As batidas cessaram por completo. O silêncio engoliu a cabana. Claire adormeceu entre sonhos inquietos, onde figuras sombrias a observavam através dos estilhaços de vidro.
Ao amanhecer, a fúria do temporal já passara. Claire acordou num silêncio úmido e fresco. Apresou-se até a janela, arrancou todas as tábuas e espiou a floresta parada. Nada. A luz do sol filtrava-se por folhas brotando. Os cacos de vidro jaziam no parapeito, meio enterrados na terra. Respirou fundo e decidiu partir ao romper do dia, jurando jamais contar o que ouvira. Mas, ao virar-se, algo prendeu seu olhar: letras pequenas, entalhadas grosseiramente na madeira da moldura, antes ocultas pelas tábuas. V-I-E-M S-E.
O ar saiu de seus pulmões. A gravação não era recente; os cortes estavam secos pelo tempo. Ainda assim, a mensagem era aterrorizantemente clara. “Vem pra casa.” Claire percorreu as ranhuras com as pontas dos dedos, o coração afundando em um temor sem nome.
Ela fez as malas e gritou na sala vazia: “Quem é você?” Só o silêncio respondeu. Então, atrás dela, inconfundível no vidro trincado da porta da frente, um reflexo: seu próprio rosto, pálido e abatido — mas outro par de olhos brilhava por trás do seu, vivo e intencional. Ela girou, mas a cabana estava vazia.
Claire fugiu pela floresta, deixando botas, bagagem e caderno para trás. Nunca mais encontrou aquelas pegadas. E quando as autoridades finalmente removeram as tábuas, não acharam sinais de arrombamento, apenas o sussurro das palavras entalhadas. Claire jamais voltou, mas às vezes, à noite, estranhos em cidades distantes afirmam ouvir batidas suaves em suas janelas.
Encontros Assombrosos
Semanas se passaram após a fuga de Claire e a lembrança da janela pregada a assombrava. Tentou voltar ao apartamento, retomar a escrita, mas cada vez que fechava os olhos via a mensagem na madeira: “Vem pra casa.” A terapeuta sugeriu transtorno pós-traumático, que sua mente criava ilusões diante do medo. Claire assentiu, mas sabia que algo mais ocorrera — algo impossível.

Num esforço para recuperar a sanidade, ela reservou uma estadia numa pequena pousada na mesma região, acreditando que luz do dia e outras pessoas exorcizariam seu pânico. A anfitriã era gentil — uma senhora idosa chamada Martha — que servia pão fresco e contava histórias da mata ao redor. Mas, quando Claire mencionou a cabana pregada, o rosto de Martha ficou pálido. “Aquele lugar está vazio faz décadas”, sussurrou, enxugando as mãos no avental. “Dizem que o dono original morreu na tempestade e ninguém teve coragem de morar lá. Não desde que as crianças desapareceram.”
Crianças desapareceram. Um calafrio gelado percorreu Claire. “Crianças?” perguntou ela. Martha assentiu. “Um irmão e uma irmã. A gente dizia que escutava batidas vindas da cabana, como se alguém os chamasse através do vidro quebrado. À noite, as crianças fugiram e sumiram na mata. As buscas não encontraram vestígio. Alguns dizem que a floresta as reclamou; outros, que acharam abrigo em outro lugar. Mas os pais mantiveram a janela pregada, na esperança de ouvir o chamado dos filhos. No fim, também foram embora, e a cabana ficou deserta.”
Claire saiu do café da manhã atordoada. Uma história de dor ligada àquela janela, um lugar onde o desejo se materializava em toques e sussurros. Sentiu-se mal ao ecoar das palavras de Martha. Durante todo o tempo, Claire acreditara estar sozinha. Em vez disso, ela caíra no legado trágico da cabana — um chamado de saudade e perda. Quantos mais ouviram aqueles toques e arranhões? Quantos responderam?
Decidida a enfrentar seu medo, Claire voltou ao entardecer para a clareira da cabana. Não havia tempestade, só a lua cheia roçando as copas. A janela pregada erguia-se diante dela. Aproximou-se segurando uma lanterna. As pernas tremiam, mas ela se pronunciou firme: “Não sou você. Não vou sumir. Não vou me perder.” Passou os dedos pela moldura onde “VEM PRA CASA” continuava gravado. Então tocou as tábuas — sólidas, carvalho antigo. Tentou empurrar uma delas de lado, mas estava presa. As lágrimas vieram sem aviso. Sussurrou: “Eu estou indo embora.”
Como resposta, um leve trote: batidas únicas perto de sua têmpora. Claire recuou, olhando em volta. Só sombras. A porta da cabana rangeu. Ela sacudiu a lanterna; a luz âmbar piscou sobre os cacos de vidro. E então, Deus, refletida naquele espelho quebrado, viu uma garotinha espiando de dentro, rosto pálido, cabelo em tranças emboladas. Claire conteve o grito. A menina inclinou a cabeça e bateu novamente. Tac… tac.
Claire se virou e correu até o carro, estacionado na trilha lamacenta. Ofegava em rápida sucessão. Ao alcançar a porta do motorista, olhou por cima do ombro. No luar, atrás da cabana, várias figuras permaneciam imóveis — duas crianças, menino e menina, pálidos no brilho da lanterna. Os lábios se abriram como se quisessem falar. Ergueam a mão em despedida ou ordem. Então a janela pregada se abriu de repente. As tábuas saltaram, impulsionadas por uma força que Claire não podia explicar. Os cacos de vidro caíram como chuva a seus pés. Atrás do batente quebrado, nada além de escuridão vazia. Ela bateu a porta e partiu em disparada.
Da estrada, observou a cabana sumir entre as árvores. Sem luz, sem movimento. Apenas o eco daqueles toques, esvanecendo com a distância. Ao amanhecer, a construção já não existia — nenhum vestígio de madeira ou estrutura, como se nunca tivesse estado lá. Em seu lugar, um tapete de musgo e mudas de árvore.
Claire nunca mais retornou à região. Mas, tarde da noite, em seus sonhos, ela ouve batidas na janela — lentas, insistentes, desejando ser ouvidas outra vez.
Revelações
Meses depois, Claire estava em seu novo apartamento, encarando a página em branco no laptop. O bloqueio criativo persistia, o horror daquela noite ainda cravado em sua mente. Decidiu revisar cada detalhe: fotos do celular, anotações do diário. Foi então que percebeu algo antes despercebido: os horários das fotos na cabana estavam inconsistentes. Várias marcavam 00:00 ou 12:00, apesar de ela sempre conferir o relógio antes de cada clique. Ainda mais perturbador, as fotos tiradas no interior mostravam diferenças sutis: em alguns, os móveis mudavam de lugar; em outros, as sombras caíam em ângulos que não coincidiam com a posição da lanterna.

Com um palpite, Claire transferiu as imagens para a TV e as ampliou. Numa foto da janela pregada pouco antes do amanhecer, viu não seu próprio reflexo, mas a silhueta de uma mulher atrás dela, visível pela fresta do vidro quebrado. Claire piscou. O horário marcava 15h14, apesar de estar escuro lá fora. Quem era aquela figura? Investigou outras imagens: a mesma mulher em sua cama, atrás da câmera, cabelo preso, vestindo camisola antiga. O rosto oculto, mas a postura coincidia com a menina de tranças.
O coração acelerou enquanto ela remontava a história narrada por Martha sobre os irmãos desaparecidos. O menino e a menina jamais foram encontrados. Reza a lenda que eles sumiram numa única noite, e a mãe, tomada pela loucura, selou a janela para aprisionar as vozes dos filhos, depois também desapareceu. Claire percebeu, horrorizada, que a mulher nas fotos só poderia ser aquela mãe, eternamente à procura. E ela vinha fotografando passado e presente.
Claire postou as imagens em um fórum de escritores, pedindo ajuda. As respostas foram diversas: uns atribuíam a anomalia ao sobrenatural; outros, a um defeito digital. Mas um estranho a contatou direto por e-mail: “Cresci aqui perto. Aquela cabana não consta em nenhum mapa oficial. Relatos dizem que ela aparece em tempos estranhos, mas nunca permanece. Surge para quem precisa de refúgio — até que a dor os encontre. Você nunca esteve sozinha, Claire. O lugar chamou você para juntar-se ao seu legado.”
O ar faltou-lhe. A tela brilhava com a explicação sombria, e ela finalmente entendeu a verdade final: a cabana não estava abandonada — era uma porta. Uma passagem entre mundos distorcidos pela dor. Ela pensara ser investigadora, escritora, mas fora ela quem estivera sob estudo. As tábuas não mantiveram algo fora; mantiveram-na dentro. E, ao fugir, ela virou parte da história, mais um capítulo numa narrativa sem fim de saudade e perda.
Ela olhou pela janela do apartamento para as luzes da cidade, sentindo o peso de observadores invisíveis se aproximando. O celular vibrou com uma notificação: alguém a marcara numa foto do post da noite anterior. Abriu-a. Ali, atrás de sua mesa, estava a mulher de camisola, pálida como luar, tranças soltas, estendendo a mão para Claire com um sorriso desesperado.
Claire deixou o aparelho cair. A tela estilhaçou-se. Nos estilhaços refletia-se não seu rosto, mas tábuas bloqueando o mundo. E então o som lento e inconfundível: tac… tac… tac…
Conclusão
Claire nunca publicou a história que pretendia. Em vez disso, guardou o laptop e mudou-se para o outro lado do país, na ânsia de escapar dos ecos que a seguiram para casa. Mas as batidas persistiam — primeiro suaves, depois mais altas, como se a impaciência crescesse. À noite ela as ouve na janela do quarto, no andar de cima da nova casa. Tac… tac… tac. A cada vez, ela aperta a testa contra o vidro e sussurra: “Eu não volto.” Ainda assim, o toque persiste, tão insistente quanto um coração pulsando por liberdade. E, de vez em quando, no silêncio profundo da casa, ela jura ouvir unhas arranhando tábuas de uma janela que nem existe. Mesmo agora, Claire se pergunta se conseguiu escapar — ou se apenas se tornou mais uma tábua na história daquela cabana, esperando a próxima tempestade.