Introdução
No coração do interior brasileiro, onde as árvores balançam ao som dos sussurros de lendas esquecidas e as estrelas brilham através de um dossel ininterrupto de escuridão, uma história perdura através das gerações: a história do Lobisomem. Parte lobo, parte homem, essa criatura misteriosa supostamente perambula pelas florestas sob a luz da lua cheia, amaldiçoada pelo destino a viver entre dois mundos. É uma história de tristeza, transformação e o inabalável puxão do destino. Por séculos, o Lobisomem aterrorizou os habitantes de pequenas vilas espalhadas pelo território. Mas o Lobisomem é apenas um mito, ou sua sombra ainda persiste nos lugares tranquilos do Brasil, esperando para atacar novamente? Esta é a história de um homem chamado João, que em breve descobriria a resposta.
O Nascimento de uma Maldição
A vila de São Luiz do Paraitinga repousava aninhada nos vales profundos das montanhas da Serra do Mar, cercada por florestas espessas e densas. As pessoas da vila eram pessoas simples — agricultores, carpinteiros e pescadores — que viviam suas vidas no ritmo da natureza. A vida permaneceu inalterada por muitos anos, até uma noite fatídica, quando uma criança nasceu sob a luz de uma lua de sangue.
João era o sétimo filho do sétimo filho e, no folclore brasileiro, isso significava apenas uma coisa: uma maldição. Sua mãe, Maria, conhecia bem as lendas. Os moradores da vila cochichavam sobre isso desde o momento em que sua barriga começou a inchar com o bebê por nascer. Quando a lua subiu vermelha-sangue no céu na noite em que João nasceu, seus medos se concretizaram. A parteira recusou-se a ficar, fazendo o sinal da cruz e murmurando sobre o Lobisomem. Os moradores os evitavam, lançando olhares sombrios para Maria e seu recém-nascido.
Apesar dos presságios, João cresceu para se tornar um menino quieto e gentil. Seu cabelo escuro emoldurava um rosto pensativo, e ele possuía um ar de tristeza que era incomum para sua idade. Ele mantinha-se afastado, passando seus dias vagando pelas bordas da floresta. Mas, ao se aproximar dos treze anos, Maria começou a notar mudanças em seu filho. Seus olhos antes calorosos adquiriram um brilho estranho quando a lua estava cheia. Sua pele parecia apertar sobre os ossos, e seu corpo tensionava como se desejasse algo desconhecido.
A noite do décimo terceiro aniversário de João chegou sob o brilho de uma lua cheia. Maria o trancou dentro da pequena casa, rezando por proteção. Mas, quando o relógio bateu meia-noite, João sentiu uma onda de energia percorrer seu corpo. Ele gritou enquanto seus membros se estendiam de forma antinatural, e espessos cabelos escuros brotavam de sua pele. Seus ossos estalaram, remodelando-se em algo primal, algo selvagem. Quando a transformação foi concluída, João já não era mais um menino — ele havia se tornado um Lobisomem.

A Primeira Caçada
A primeira transformação foi ao mesmo tempo emocionante e aterrorizante. Os sentidos de João estavam aguçados, e ele podia ouvir cada farfalhar das árvores, cheirar cada criatura viva na floresta. A necessidade de caçar o sobrecarregava. Ele arrombeu pela porta de sua casa, correndo em direção à mata, atraído pelo cheiro de sangue. Sua mente humana gritava por controle, mas o lobo dentro dele era demasiado forte.
Movia-se com uma velocidade antinatural, sua nova forma ágil e poderosa. Seus olhos brilhavam em amarelo na escuridão, e suas mandíbulas batiam no ar. À distância, um coelho apressava-se pela vegetação, mas João não estava caçando uma presa pequena. Seus instintos estavam voltados para algo maior — algo humano.
Na vila próxima, um anciano chamado Vicente estava voltando para casa da taverna. Seus passos eram lentos, e seus sentidos diminuídos pelo álcool que o aquecera por dentro. Ele nunca ouviu João se aproximar. O Lobisomem atacou, e com uma mordida rápida na garganta, a vida de Vicente foi extinta. João uivou para a noite, sua voz monstruosa ecoando pelas árvores.
Quando a madrugada chegou, João acordou em um campo, nu e coberto de sangue. O horror do que havia feito o invadiu, e ele caiu de joelhos. Não tinha memória da caçada, mas as manchas de sangue em suas mãos contavam a verdade. Ele havia se tornado o monstro das histórias — a besta que sua mãe temia desde o início.
Uma Vida nas Sombras
A partir daquela noite, a vida de João deixou de ser sua. A cada lua cheia, a transformação o dominava, e o lobo emergia, selvagem e incontrolável. Ele tornou-se um perigo para sua vila, e logo os aldeões começaram a suspeitar que as mortes misteriosas que assolavam a região estavam conectadas a ele. Os moradores falavam em tons baixos sobre uma besta que rondava a noite, e não demorou muito para que procurassem o padre da aldeia em busca de respostas.
O Padre Matheus, um homem velho e erudito, reconheceu os sinais. Ele já havia presenciado coisas semelhantes antes em outras partes remotas do Brasil. A maldição do Lobisomem era real, e ficou claro para ele que João era sua mais recente vítima. Mas quebrar a maldição não era uma tarefa simples. Requereria um ritual antigo — um que era tanto perigoso quanto difícil de realizar. Pior ainda, a maldição se fortaleceria à medida que João envelhecesse, tornando o lobo mais difícil de controlar.
Maria implorou ao padre para ajudar seu filho, mas o Padre Matheus alertou-a sobre os riscos. O ritual poderia acabar com o tormento de João, mas também poderia custar-lhe a vida. Desesperada para salvar seu único filho, Maria concordou em permitir que o padre tentasse a cura.
O Ritual
A noite do ritual chegou, e um vento frio varreu a vila. O Padre Matheus preparou o círculo sagrado, desenhando símbolos na terra e acendendo velas ao redor do perímetro. João ficou no centro, tremendo de medo. A lua cheia já começava a subir, e ele podia sentir o lobo arranhando as bordas de sua mente, ansioso para se libertar.
O padre começou a entoar cânticos em latim, invocando os poderes antigos que governavam a maldição. À medida que as palavras preenchiam o ar, o corpo de João convulsionou. Sua pele ondulou, e seus ossos começaram a se mover. A transformação estava começando, e o Padre Matheus teve que agir rapidamente. Ele retirou um punhal de prata de suas vestes e aproximou-se de João, erguendo a lâmina acima de sua cabeça.

Mas, justo quando o punhal descia, algo deu errado. Um clarão de luz irrompeu do círculo, e João soltou um rugido gutural enquanto o lobo emergia completamente. O ritual havia falhado, e agora a besta estava solta. O Padre Matheus foi arremessado para trás pela força da transformação, e João — não, o Lobisomem — lançou seus olhos famintos sobre ele.
Com um rosnado aterrador, a criatura avançou em direção ao padre, mas antes que pudesse atacar, uma figura interveio entre eles. Era Maria, segurando um amuleto de prata que havia encontrado anos atrás. O lobo hesitou, seus olhos brilhantes fixos no amuleto. Por um momento, a consciência humana de João ressurgiu, e a besta recuou, uivando de frustração enquanto desaparecia na floresta.
A Maldição do Lobo
Após o ritual fracassado, João fugiu para a natureza selvagem, incapaz de enfrentar sua mãe ou os aldeões. Ele tornou-se uma criatura da noite, vagando pelas florestas e evitando o contato humano. A maldição tinha tomado o controle total, e as transformações de João tornaram-se mais frequentes. À medida que o lobo ganhava dominação, as memórias de João de sua vida anterior começaram a desaparecer.
Mas Maria nunca perdeu a esperança. Ela acreditava que havia outra maneira de salvar seu filho. Após o incidente com o amuleto, ela tornou-se convencida de que a prata detinha a chave para controlar a besta. Ela procurou por um lendário caçador, conhecido apenas como O Caçador, que dizia-se ter combatido e matado muitos Lobisomens pelo Brasil.
O caçador concordou em ajudá-la, mas seus métodos eram implacáveis. Ele acreditava que a única maneira de salvar João era prendê-lo em sua forma de lobo e matar a besta de uma vez por todas. Maria, no entanto, estava determinada a encontrar outra solução. Ela convenceu O Caçador a usar o amuleto para subjugá-lo em vez de matá-lo.
Juntos, eles se aventuraram na floresta, rastreando o Lobisomem à luz da lua cheia. João, agora completamente imerso na mente do lobo, sentiu sua presença e se preparou para atacar. Mas, à medida que se aproximavam, Maria deu um passo à frente, segurando o amuleto erguido acima de sua cabeça.

O Confronto Final
O ar estava carregado de tensão enquanto João — o Lobisomem — se agachava baixo, pronto para pular. Seus olhos brilhantes se fixaram em Maria, mas algo na luz do amuleto o fez pausar. Ele uivou de frustração, dividido entre o desejo do lobo de matar e as emoções humanas enterradas profundamente dentro de si.
Nesse momento, Maria falou. Ela chamou seu filho, lembrando-o de quem ele era, da vida que ele havia vivido. As palavras penetraram na névoa da maldição, e pela primeira vez em anos, João sentiu um lampejo de sua humanidade retornar.
Mas a batalha estava longe de terminar. O lobo ainda lutava pelo controle, e foi necessário todo o esforço de João para resistir. Com um grito final e desesperado, ele avançou em direção a Maria — não para atacar, mas para quebrar o domínio que a besta tinha sobre ele. O amuleto brilhou intensamente, e a floresta irrompeu em um rugido ensurdecedor.
Quando a luz diminuiu, João estava deitado no chão, seu corpo imóvel e silencioso. A maldição havia sido quebrada, mas o custo foi elevado. Sua forma de lobo desapareceu, mas também grande parte de sua humanidade. Ele nunca se recuperaria completamente dos horrores da maldição, mas havia reconquistado sua alma.
Epílogo: O Retorno da Noite
João retornou à vila, um homem mudado. Os aldeões o observavam com desconfiança, inseguros se a maldição ainda persistia. Mas com o tempo, passaram a aceitá-lo novamente, vendo a tristeza silenciosa em seus olhos como um lembrete das batalhas que ele havia enfrentado.
No entanto, à medida que os anos passavam, a lenda do Lobisomem persistia. Viajantes falavam de uivos estranhos na floresta nas noites de lua cheia, e embora João vivesse seus dias em paz, a sombra da maldição nunca o deixou de verdade.

Alguns dizem que, nas profundezas das florestas do Brasil, o Lobisomem ainda perambula, uma criatura nascida de homem e besta, caminhando para sempre na linha entre dois mundos.