O Estrangeiro

18 min

The empty town's main street at midnight, bathed in pale lamplight, where every shadow holds a whisper of the unknown.

Sobre a História: O Estrangeiro é um Histórias de Ficção Científica de united-states ambientado no Histórias Contemporâneas. Este conto Histórias Dramáticas explora temas de Histórias de Bem vs. Mal e é adequado para Histórias para Adultos. Oferece Histórias Divertidas perspectivas. Nas ruas sombreadas de uma cidade esquecida, a curiosidade de um homem desperta um terror cósmico além da compreensão.

Introdução

Uma fina linha de névoa agarrava-se à estrada deserta enquanto Clay Davidson saía de seu sedan surrado e adentrava o silêncio do abraço da meia-noite. Os postes de iluminação que alinhavam a rua principal de Hollow Creek tremulavam com um brilho amarelo vacilante, como se hesitassem em permanecer acesos. Ele viera atrás de um rumor de algo sobrenatural, de formas meio-forjadas vislumbradas na periferia da visão, de vozes que murmuravam logo abaixo do limite audível. Cada vitrine fechada e cada janela coberta pareciam encolher-se diante de sua presença; o silêncio entre os edifícios estirava-se como uma corda tensa, trêmulo com possibilidades indizíveis. O ar tinha um gosto metálico, e quando ele inspirou, sentiu como se estivesse sugando o peso de cem olhos invisíveis. Em algum ponto além da curva da estrada, um eco martelava em sua mente, um ritmo de garras batendo — ou talvez o truque de galhos esvoaçantes contra a madeira envelhecida. A lanterna de Clay tremeu em sua mão, seu feixe cortando a névoa em um facho instável que parecia se enroscar em sombras mais profundas em vez de dissipá-las. Ao longe, o campanário da velha igreja inclinava-se de forma desconfortável contra o céu noturno, sua cruz quebrada uma silhueta torta que tremia no sopro gélido do vento. Ele avançou, guiado por uma compulsão que não ousava nomear, cada passo ecoando como um batimento oco sobre o asfalto rachado. Aqueles prédios guardavam histórias, antigas não pela medida humana, mas por algo muito mais velho, gravadas em ossos e pedra úmida. Clay sentiu o mundo se alterar quando passou sob um arco de vinhas retorcidas, o ar adensando até cada sussurro de movimento parecer promessa de revelação ou ruína. Quando chegou à praça da cidade, já sabia que não estava mais sozinho, e qualquer coisa que aguardasse além da visão já tinha aprendido seu nome.

Sombras nas Ruas

No coração de Hollow Creek, os prédios vazios inclinavam-se uns contra os outros, como se sussurrassem segredos em tijolos quebradiços e madeira lascada. O vento se movia entre eles, trazendo um aroma terroso e úmido que parecia vivo por correntes ocultas. Clay avançava com cautela, cada passo um eco sutil no pavimento desgastado, e o feixe de sua lanterna projetava sombras de galhos de salgueiro contorcendo-se em ângulos impossíveis. As vitrines, apressadamente tábuas, exibiam rasgos e pequenos furos, como se algo tivesse testado seu alcance do outro lado, sondando por uma fraqueza.

Ele parou sob a placa de néon tremeluzente do antigo diner, onde as letras G-R-I-L-L zumbia prestes a entrar em colapso. O ar ao redor vibrava com um zumbido baixo, uma ressonância que rangia seus dentes, e ele teve a vertiginosa sensação de cair de lado em um vazio à espera. Em alguma parte além do beco escuro, ouviu movimentações suaves, mas a fonte permaneceu oculta, uma presença intencional tão sutil que poderia ser fruto da própria imaginação. Ainda assim, seu coração martelava contra as costelas como um tambor de alerta.

Ele varreu com a luz um conjunto de advertências pichadas — “Mantenha Distância”, “Não Pisque”, “Você Não Está Sozinho” — e cada mensagem parecia desesperada e ritualística, como se tivesse sido escrita por alguém prestes a sucumbir ao pânico. Clay forçou-se a ler a última linha, escrita em letra trêmula: “Ele sabe”. Seu fôlego falhou, e por um instante a noite prendeu o ar junto com ele. Então o vento mudou, trazendo um suspiro distante que reverberou em seus ossos, e algo se moveu na beirada da percepção, tão rápido e antinatural que desapareceu antes que ele conseguisse direcionar a luz. Mesmo assim, sabia, sem dúvida, que algo estava ali, esperando que se aproximasse.

Uma rua estreita ao entardecer, com lanternas tremeluzentes lançando sombras longas sobre o pavimento rachado, em um silêncio inquietante.
O entardecer cai sobre a cidade, enquanto as luzes dos lampiões oscilam e as sombras se curvam como seres vivos.

A mente dele girava com teorias incompletas — seriam esses sinais de alucinação, tremores sísmicos de medo ou algo mais antigo, algo vivo? Cada instinto o implorava para que virasse as costas, fingisse ignorância e disparasse de volta para o ar livre da estrada principal, mas a curiosidade, que o prendia ao lugar, tinha um sabor mais forte que qualquer temor. Ele exalou lentamente, tentando acalmar o pulso, e então contornou a esquina do diner, onde o beco se estendia numa boca escancarada de escuridão. Os tijolos sob seus pés estavam escorregadios de musgo e fuligem úmida, cedendo sob seu peso como se desejassem engolir suas pegadas.

Ele parou diante de uma porta enferrujada cravada na parede do beco, suas dobradiças pendendo por um único parafuso quebrado, com uma mancha escura escorrendo pela base. Um brilho oleoso e tênue pulsava em seu interior, como um batimento cardíaco sob costelas ressequidas, e ele quase pôde ouvir uma voz recitando algo em uma língua mais antiga que a memória. Clay ergueu a lanterna; o feixe tremeu como repelido pelo umbral da porta. Ele pousou a mão trêmula no metal e sentiu-o mais quente que o ar noturno, pulsando em um ritmo maligno que parecia sincronizado com o zumbido que sentira momentos antes. Seu peito se apertou ao considerar o que havia além dali: a escolha entre retroceder para a segurança do desconhecido ou avançar rumo a um segredo que o mudaria para sempre. Ecos tênues reverberavam pela moldura da porta — um sussurro de movimento e respiração fora de tom com a vida humana. A luz vacilante dos postes atravessava as fendas da madeira apodrecida e pintava as paredes com padrões cintilantes que tomavam formas que seria melhor não ver. Ele testou a maçaneta, e a porta grunhiu, como se despertasse após séculos de sono, seu protesto soando como um rangido cheio de terra que eriçava os pelos dos braços. A promessa de descoberta guerreava com cada instinto que gritava para fugir, e ainda assim Clay sentiu seu corpo inclinar-se para frente, atraído por uma força que desafiava a razão. Ele atravessou o limiar e sentiu um súbito sopro de ar, gélido e carregado do gosto de sal e enxofre. Atrás dele, a porta se fechou com um estalo oco, e ele soube que qualquer coisa que estivesse além já começara a mudá-lo.

Quando ele ultrapassou o umbral, o feixe fraco da lanterna revelou um corredor estreito, o piso soterrado por anos de detritos e pela lenta decadência do tempo. As paredes estavam salpicadas de sulcos rasos, desordenados mas deliberados, como se alguém — ou algo — os tivesse traçado com dedos longos e jagged. O ar era mais frio ali, carregando um zumbido estranho, baixo demais para os ouvidos, mas capaz de ressoar nos ossos. O facho de luz varreu de um lado a outro, revelando portas escancaradas como mandíbulas abertas, cada uma prometendo segredos e perigos ocultos. Em algum ponto mais adiante, ecoou o arrastar de algo que podia ser garras contra a pedra, mas o som era abafado, distante, como ouvido através de camadas de água espessa. Clay engoliu em seco, com a garganta enfileirada de poeira, e ousou dar outro passo, cada vez mais pesado que o anterior. O feixe captou o que parecia ser um rosto pressionado contra a parede oposta, contornos que se moviam como fumaça viva. Quando ergueu a luz, nada restava além de tinta lascada e papel de parede se desprendendo. Ele exalou aliviado, mas o zumbido continuava, mais intenso a cada batida de seu coração. Ele avançou, atraído por um brilho tênue que pulsava adiante, certo de que voltar não era mais uma opção. Notou símbolos estranhos riscados nas tábuas do chão — triângulos intersectando círculos em padrões que ele não compreendia. Uma névoa fina pairava rente ao solo, fria ao toque e luminosa apenas nas bordas. Clay estendeu a mão, os dedos roçando o vapor, e sentiu uma faísca de memória — não sua, mas distante, vasta, inimaginável.

Nas Profundezas

Nas horas seguintes, Clay caçou qualquer sinal do túnel lendário, seguindo pistas vacilantes rabiscadas em diários arruinados e sussurradas pelos poucos que retornaram da escuridão. Ele passou por um celeiro desabado nos arredores da cidade, onde molduras de janelas entrelaçadas por trepadeiras pareciam observá-lo com um apetite silencioso. Sob o umbral do celeiro, o ar se tornava espesso de podridão úmida, e o cheiro mofado de madeira apodrecida grudava em suas narinas como sombras aderentes. Perto da parede de fundo, encontrou um arco de pedra oculto por um emaranhado de vegetação selvagem, uma formação cravejada de símbolos esculpidos por uma mão desaparecida: círculos concêntricos, linhas jagged que emergiam como garras e curvas que não ofereciam explicação. Ele se ajoelhou para afastar o musgo, revelando mais glifos manchados de um tom ferrugem que podia ser sangue ou óxido de ferro. Com o coração acelerado, prosseguiu, escorregando-se pela abertura estreita, onde a luz do dia dava lugar a um breu impenetrável. O lampejo da lanterna esticava-se pela escuridão, iluminando marcas na altura da cabeça que se prolongavam pelas paredes rochosas e úmidas, formas torturadas que pareciam mudar sempre que ele piscava. O túnel inclinava-se para baixo, escorregadio de condensação, e o gotejar distante de água ressoava como passos marcados no silêncio opressivo. Cada passo parecia um mergulho mais profundo nos ossos da terra, onde o peso acima o pressionava à imobilidade, exigindo reverência ou sacrifício. Em algum ponto além, ele sentiu um tênue brilho fosforescente, um clarão de outro mundo que insinuava vida – ou algo muito mais estranho. Clay parou, encostou a palma na pedra fria e sentiu uma vibração percorrer a rocha, um batimento distante sincronizado com sua respiração ansiosa. Ele se forçou a avançar, os músculos tremendo como se convidassem seu corpo a um mergulho mais profundo em um vazio à espera. À medida que contornava cada curva, as paredes pareciam se fechar, fazendo do corredor algo mais próximo de uma garganta prestes a engolir sua presa. Raízes pendiam do teto, finas e pulsantes, balançando levemente em uma brisa imperceptível, como se respirassem com um ritmo antigo. O cheiro de mofo crescia de intensidade, junto a um zumbido quase imperceptível que ressoava em seu crânio, incentivando pensamentos sem nome a aflorar.

Um arco de pedra coberto de musgo que leva a um escuro túnel subterrâneo, com gotas de água caindo de forma sinistra.
O portal oculto sob a cidade, esculpido em pedra antiga e paredes cobertas de musgo.

O túnel finalmente se alargou em uma caverna escavada na rocha viva, seu teto arqueado acima como a barriga de um leviatã adormecido. Um molde pálido e fosforescente cobria as paredes, lançando um brilho turquesa sinistro que dançava sobre saliências e fendas conforme a luz de Clay agitava os esporos. O chão escorregava sob suas botas, encharcado, e poças espalhavam manchas negras como espelho, refletindo formas que ele não soubia nomear. Ele parou diante de uma bifurcação, onde um caminho mergulhava em trevas ainda mais densas e outro arqueava em direção a um estrondo distante, como um trovão aprisionado na pedra. Ele seguiu em direção ao som, cada passo ecoando em superfícies invisíveis até que a caverna se dividisse em uma câmara iluminada por um único feixe de luz fraca vindo de uma fenda no teto. Naquele facho, ele vislumbrou padrões gravados nas paredes – espirais que se enroscavam em si mesmas, linhas que corriam como artérias e trechos de pedra crua e fleshy que pulsavam com energia não vista. A pele dele formigou como se alguém tivesse sussurrado perto de seu pescoço, e ele se virou num só movimento, a lanterna cortando a penumbra, mas não encontrou nada além de sua própria sombra acelerada. O ar estava frio, mais seco do que o túnel por onde viera, trazia um leve cheiro de ozônio e algo mais primordial: a promessa de revelação ou obliteração. Ele avançou em direção ao centro da câmara, onde um altar de pedra elevava-se do chão, sua superfície coberta de riscos que irradiavam rumo a uma depressão escura em seu coração. Clay ajoelhou-se para examinar o buraco, um abismo que parecia engolir a luz, puxando as bordas de sua visão até deixar seus olhos doloridos. Um estrondo distante tornou-se mais forte, vibrando através do solo e de seus ossos, e ele compreendeu que o que quer que estivesse além fora invocado, preparado — ou não — pelo seu ato de profanação.

A respiração de Clay prendeu-se quando o chão sob ele estremeceu, fazendo pedras soltas deslizar pelo piso da caverna. A sombra dentro da depressão do altar começou a se contorcer, movendo-se como um poço agitado de óleo que provara a luz e a rejeitara. Das profundezas daquele abismo emergiu um som, baixo e gutural, o retumbar de algo ancestral e faminto. A lanterna falhou por um instante, depois apagou-se, mergulhando-o em um breu tão absoluto que parecia pressionar-lhe as pálpebras. Em pânico, ele mexeu no bolso atrás de um lampião, e ao ligá-lo, o feixe revelou uma forma de escala impossível — um emaranhado de membros e articulações angulares que dobravam em ângulos desumanos. Sua superfície brilhava com um resplendor úmido, membranas estendendo-se entre as espinhas como velas rasgadas. Clay cambaleou para trás, a mente num turbilhão de terror, enquanto a criatura se desprendia do altar, sua forma indecifrável, como se cada aresta se torcesse e fundisse diante de seus olhos. O brilho da caverna dançava em sua superfície, revelando uma mandíbula repleta de lâminas serrilhadas que se encaixavam com um estalo suave. Ela ergueu um membro que terminava em um aglomerado de garras finas como ossos de dedo, mas afiadas como obsidiana. Uma mancha fosforescente no pescoço pulsava com uma luz fria e azulada, projetando ondas de sombra pelas paredes.

Confrontando o Abismo

O coração de Clay batia em sua garganta, e ele ergueu o lampião, concentrando o feixe numa aba rasgada de carne, mas a luz parecia ser engolida, arrancada da existência. Ele piscou e a criatura estava mais próxima, seu peso pressionando-o em uma onda de força opressora. Um silvo ecoou, um sopro como vento em árvores mortas, e o musgo sob seus pés murchou em sua aproximação. Clay caiu de joelhos, a mente correndo, enquanto todo instinto gritava para fugir. Mas seu pé prendeu-se num fragmento de pedra quebrado, e ele caiu de bruços, pousando a poucos centímetros da boca, cercado por ícones esculpidos e dentes indescritíveis. Ele sentiu seu pulso desacelerar quando uma lógica fria se assentou: para sobreviver, precisava olhar além da forma, ver através das dobras de carne até o vazio em seu centro. Reunindo cada fragmento de coragem, encarou aquela escuridão, e a criatura recuou como se tivesse sido atingida, sua forma tremeluzindo por um breve instante como um filme danificado. Nesse momento, Clay se lançou à frente, rastejando em direção à saída do túnel, impulsionado por uma vontade desesperada de viver. Atrás de si, o rugido da criatura ressoou, rachando a pedra, mas Clay não parou até que a luz do dia brilhasse em seus olhos, e então percebeu que arrastara consigo um fragmento do abismo, pronto para assombrar cada suspiro seu.

Quando Clay irrompeu da boca do túnel para o ar gelado da noite, o mundo pareceu exalar atrás dele, como se a própria terra tivesse segurado o fôlego enquanto aquela abominação despertava. As pernas o carregaram encosta abaixo pelo bosque, o coração retumbando como tambor de guerra em seus ouvidos, mas ele sequer ousou olhar para trás. Cada sombra entre as árvores à beira da estrada transformava-se em silhuetas monstruosas, ecos da forma nojerosa da criatura que brilhavam na periferia de sua visão. Ele irrompeu no asfalto rachado, onde o brilho distante de faróis prometia fuga — ou perdição. Gralhas irromperam dos galhos, seus cacarejos estridentes misturando-se ao eco longínquo do rugido da criatura. Clay caiu de joelhos, ofegante, e apoiou as mãos no frio do asfalto como se precisasse agarrar-se ao concreto. Quando ergueu a cabeça, a estrada estava deserta, a não ser pelas colunas de luz rasgando a escuridão como espadas gêmeas. Ele levantou-se num ímpeto e correu, cada passo um suspiro ofegante impregnado de terror. A presença monstruosa ainda pulsava atrás dele, um peso invisível que buscava pousar sobre seus ombros, embora nenhum som ou forma o seguisse pelas pistas vazias. No topo de uma colina, as luzes da cidade surgiram à distância, cintilando como um farol de fé quebrada. A placa que dava boas-vindas a Hollow Creek pendia no toco, torcida em seu poste e gemeu suavemente ao vento. Clay não parou para lê-la; apenas prosseguiu, movido por uma fúria ardente branca que consumia seu medo. No retrovisor, ele vislumbrou um movimento fugaz, um membro alongado dissolvendo-se entre a névoa, e percebeu que a fronteira entre mundos fora rompida. Ainda assim, enquanto dirigia para longe, o eco sussurrante da criatura assombrava o zumbido do motor, um lembrete perpétuo de que algumas portas, uma vez forçadas, jamais se fecham.

Um homem de pé sob um céu tempestuoso, com sombras envolvendo-o enquanto símbolos cósmicos discretos giram acima de sua cabeça.
Clay enfrenta o vazio cósmico sob um céu turbulento, onde sombras e símbolos se encontram em uma ameaça silenciosa.

Quando Clay chegou ao seu pequeno apartamento nos arredores da cidade, o amanhecer tingia o horizonte de rosa, mas o mundo parecia mais escuro do que a meia-noite que deixara para trás. Ele tateou pelas chaves, as mãos tremendo tanto que perdeu-as nos degraus de concreto e encolheu-se, esperando a silhueta engajada da criatura surgir ao seu lado. No interior, o ar estava viciado, com um doce doentio que lembrava fungos em decomposição, e cada canto parecia espiar com olhos ocultos. Ele lançou a jaqueta ao chão e desabou no sofá, puxando o cobertor sobre a cabeça como se pudesse camuflar-se dos pesadelos. O telefone jazia sobre a mesa de centro, a tela rachada pela queda, mas ele o ligou mesmo assim, dedos trêmulos, e discou para a emergência. A atendente atendeu com calma robótica, mas antes que ele proferisse mais do que uma palavra sobre um “monstro invisível”, a ligação caiu, cortada como por uma lâmina invisível. Clay encarou o aparelho silente, dominado pela certeza fria de que nenhuma ajuda poderia alcançá-lo.

Então os sussurros retornaram, como vento soprado pelas aberturas, murmurando frases numa língua que ele não decodificava, mas compreendia perfeitamente. Seu fôlego saiu em baforadas frias e rasas enquanto a temperatura no cômodo despencava, e ele soube que a fronteira entre seu santuário e o abismo fora rompida pela segunda vez. Reunindo cada lasca de vontade, ergueu o cobertor e levantou-se, encharcado de suor e terror, decidido a enfrentar o mundo desperto antes que ele o confrontasse. Ele abriu a persiana e sentiu o sangue gelar ao ver uma forma grande e esbranquiçada apoiada no prédio oposto, um contorno impossível que se movia quando ele piscava. A luz do sol não parecia tocá-la, como se tivesse nascido apenas da sombra, e Clay compreendeu que nenhuma distância, nenhum obstáculo, poderia protegê-lo do que havia libertado. Ele recuou da janela, sentindo as paredes pulsarem ao ritmo daquele zumbido gutural que assombrava seus sonhos. Cada pulsação parecia sincronizar-se a um coração maior que qualquer corpo mortal. O tráfego matinal além do prédio seguia em normalidade chocante, inconsciente da presença agachada na penumbra. E Clay entendeu que, aos olhos de todos ao seu redor, o mundo permaneceria totalmente cego.

Ele agarrou sua mochila, enchendo-a com cada caderno e gravador que possuía, determinado a capturar um fragmento de prova de que a loucura que testemunhara era real. Passou pela luz clara da manhã, cada raio queimando seus olhos como brasa, mas não hesitou. Ao cruzar a rua, a forma permaneceu imóvel, uma silhueta de pesadelo cravada contra um muro de gesso descascado. Clay ergueu um gravador de voz e falou nele, relatando cada detalhe com voz trêmula, mas o aparelho estalou assim que começou a gravar, cuspindo chiados estáticos que formavam palavras que ele nunca pronunciara. Nesse loop de retorno, ouviu sua própria voz distorcida, sobreposta a um barítono mais grave que ressoava com algo inenarrável. Ele observou a tela do gravador piscar e falhar, o gráfico de ondas dançando em padrões que soletravam uma língua anterior à própria Terra. O pânico o invadiu quando percebeu que a evidência estava se remodelando, enquadrando-se em uma lógica que ele jamais entenderia. Ele esmagou o gravador sob a sola da bota, e os fragmentos estilhaçaram-se em centelhas que caíram como vaga-lumes moribundos. Com clareza repentina, entendeu que algumas verdades não se destinam aos ouvidos mortais, e cada tentativa de aprisionar sua essência apenas o puxava para mais fundo no vazio. Mesmo assim, ergueu os olhos para o céu, onde as nuvens giravam em espirais distorcidas, e sentiu aquele olhar cósmico imenso sobre ele, sondando-o, pesando-o, cogitando seu destino. Clay Davidson suspirou, deu um passo sobre o asfalto rachado e caminhou, a cidade encolhendo-se atrás dele como uma lembrança dolorosa. Mas, nas profundezas de sua mente, algo o seguia, e cada momento de silêncio ressoava com o eco de um grito distante além das estrelas.

Conclusão

Nas semanas que se seguiram, Clay Davidson tornou-se um testemunho vivo da fragilidade da percepção e do alcance implacável do desconhecido. Embora as noites em Hollow Creek retomassem seu silêncio habitual, ele sabia que por trás de cada sopro de vento havia uma fome inquieta pronta para derramar-se em nosso mundo. Ele usava roupas leves em várias camadas mesmo no verão, carregando chaves prateadas e pequenos talismãs cujo propósito mal conseguia explicar. Toda superfície refletiva era vista como uma ameaça, capaz de revelar um fragmento do vazio agachado bem além dos limites da visão. O sono tornou-se uma moeda frágil, trocada em sonhos inquietos onde a forma da criatura pairava em sombras periféricas, enrolando-se em seus pensamentos. Amigos silenciaram, temerosos da obsessão que o conduzia a uma vigilância desmesurada, mas Clay compreendeu que o verdadeiro terror não estava na forma que vira, e sim na percepção de que a realidade é muito mais estranha do que qualquer mente pode conter. E assim ele caminha agora entre mundos, um observador solitário de uma verdade que desafia a linguagem, carregando o eco do abismo em cada suspiro, para sempre alterado pelo que ousou desvendar.

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