Introdução
Quando a neve cai densa e silenciosa pelo norte da Rússia, o tempo parece suspenso; a vida se torna um tecido costurado de incerteza, esperança e o sussurro do vento. Longe do alcance dos decretos dos czares e do burburinho das cidades, no topo de uma suave colina margeada por bétulas esqueléticas e lagos congelados de um azul sereno, repousa a aldeia de Pravdino. Velhas casas de toras se aglomeram sob telhados curvados, com o aroma da fumaça de bétula se enrolando no ar enquanto galinhas cacarejam preguiçosamente nos quintais nevados. Ali, as pessoas se levantam com os galos e descansam com o crepúsculo, seus dias marcados pelo ritmo da terra — devotos, orgulhosos e presos a tradições que persistem como o próprio gelo.
No coração de Pravdino vive o Mestre Mikhail, um homem cuja sabedoria envolve a comunidade como uma quente echarpe de lã. Nem padre, nem emissário do czar, mas artesão, professor e juiz silencioso, Mikhail dedicou seus sessenta anos não só à madeira e à pedra, mas às necessidades emaranhadas da aldeia. Com uma palavra gentil ou um ouvido paciente, ele já apaziguou disputas, orientou órfãos e afastou insensatos da ruína. Seu nome comanda respeito até do bêbado mais mal-educado da taberna. Mas não é a fama que o define e sim a integridade silenciosa que o torna querido — a imparcialidade inabalável, o olhar firme que atravessa a mentira e uma bondade implacável em sua honestidade.
Sempre houve histórias sussurradas em Pravdino — contos de raposas astutas, espíritos vagantes e homens espertos que se perderam pela própria arrogância. Ainda assim, em um mundo assediado por lobos noturnos e invernos sem fim, poucos esperavam que o verdadeiro mal viesse bater às suas portas. Até o dia em que um estranho chegou a Pravdino, envolto em vison e sombras, trazendo promessas que cintilavam como sol no orvalho congelado. Surgiu quando o inverno estava em seu ápice, quando a esperança de primavera parecia apenas uma lembrança e o vazio roía cada estômago.
Esta é a história do julgamento que acometeria o Mestre Mikhail — um enredo de tentação no âmago do inverno, de uma aposta feita à meia-luz do fogo e de escolhas que ecoam mais que a própria neve. No teste entre o bem e o mal, até a menor ação lança sombras longas. E em uma aldeia russa congelada, a determinação de um homem revelaria se a bondade é luz que a escuridão jamais poderá extinguir.
A Proposta do Estranho
Mestre Mikhail acordou para um silêncio cortante. A lenha na lareira se consumira, e o vidro de sua janela — luxo raro — exibia um mundo todo esbranquiçado e imóvel. Vestiu sua túnica pesada, botou as luvas de lã e, com a firmeza trazida pelos anos, saiu para verificar seu depósito de ferramentas. O ar mordeu-lhe o rosto, mas Mikhail sorriu. O frio aguça o pensamento, e ele apreciava a disciplina que ele exigia.

À beira do caminho, uma silhueta se moveu — um estranho, alto como uma bétula prateada e envolto em vison tão negro que parecia engolir a luz do dia. Nenhum viajante passava por ali sem motivo, e muito menos na mais rigorosa das madrugadas. Com calma deliberada, Mikhail avançou e encontrou os olhos pálidos do forasteiro, que brilhavam de modo quase sobrenatural, como se refletissem a neve.
“Bom dia, mestre”, entoou o estranho, com voz baixa e aveludada. “Uma alma cansada pode encontrar calor em seu lar?”
O que Mikhail podia fazer senão assentir? A hospitalidade, até para com os demônios, era uma lei anterior aos czares. O estranho entrou acompanhado por um redemoinho de flocos, e por um instante Mikhail sentiu um frio ainda mais intenso. Sobre chá fumegante, sentaram-se em sua minúscula cozinha iluminada pelas chamas vacilantes. Os olhos do visitante percorreram o recinto, demorando-se nos ícones dos santos e no maço de cartas sobre a prateleira. A conversa derivou do preço do sal à caça de lobos, mas jamais tocou no verdadeiro objetivo do forasteiro.
Só quando as velas se consumiram é que o estrangeiro inclinou-se, retirando um saquinho debaixo do sobretudo. Dele, derramaram-se moedas de ouro. Não rublos, mas peças reluzentes carimbadas com símbolos estrangeiros — tantas que a mesa de Mikhail brilhou como se o sol houvesse invadido a sala. “Tudo isso”, sussurrou o estranho, “por um simples ato.”
Explicou então: logo o conselho da aldeia se reuniria para decidir se pediria ao distrito um novo poço. O existente estava seco e envenenado, causando doenças e pavor. Ele queria que Mikhail se opusesse à proposta, chamasse o projeto de despesa tola e semeasse desconfiança em torno dos benefícios. Desejava discórdia, atraso, sofrimento — mas oferecia ouro suficiente para garantir conforto à família do mestre e a todo o povo por anos a fio.
O olhar de Mikhail prendeu-se nas moedas. Sua mente voou até as crianças doentes, ao cheiro da água contaminada, às velhas histórias contadas por sua mãe — narrativas de vizinhos que se voltavam uns contra os outros na escassez. O estranho sorriu, percebendo o peso daquele instante. “Ninguém sofrerá mais do que já sofre”, coaxou. “Mas você, venerado mestre, será honrado. Nada deseja para si? Então que o ouro sirva às crianças famintas.”
A tentação era real — uma solução para tantos males de Pravdino, comprada com apenas algumas palavras. Ainda assim, à medida que as sombras se aprofundavam, o coração de Mikhail se contraiu. Desculpou-se, alegando ir buscar mais chá, enquanto internamente rezava — por sabedoria, força e a verdade a falar clara na tempestade que se aproximava.
Ao retornar, encontrou o estranho fitando os ícones com curiosidade quase zombeteira. Quando se despediram para a noite, o acordo ficou pairando no ar. Mas o veneno da tentação já começava a se enroscar pelo sono de Mikhail, apertando-se a cada rajada gelada que sacudia as janelas.
O Julgamento do Espírito
No dia seguinte, Pravdino fervilhava de um modo silencioso. Rumores serpenteavam como fumaça: disseram que um estranho estivera na casa do mestre; que presentes haviam cruzado a soleira; talvez azar, talvez sorte, estivesse a caminho. O povo olhava Mikhail com respeito e cautela, crianças espiando por trás de cercas encobertas pela neve, anciãos murmurando orações com mãos calejadas pelo frio. Mikhail sentia os olhares dos habitantes como dedos rizados em sua pele.

Mas, de todas as provações que já enfrentara — a dor de uma mãe, a traição de um vizinho, a saudade de filhos crescidos — essa névoa de tentação era a mais difícil. Fechar o coração à ganância era possível, mas ajudar os famintos, curar os doentes e os desesperados sempre fora a causa de sua vida. E ali estava o ouro em sua mesa, a apenas algumas sílabas de distância.
Mikhail recordou o pai, que lhe ensinara o valor do trabalho honesto. Pensou na falecida esposa, no riso suave dela pairando entre o aroma de centeio e mel recém-assados. As memórias tornaram-se armadura, enquanto ele se preparava para a reunião noturna do conselho, o peso da proposta do estranho ecoando em cada passo.
O crepúsculo caiu sobre Pravdino; lanternas piscavam ao longo da estrada forrada de neve. Na antiga casa de reuniões, Mikhail ocupou seu lugar no círculo de anciãos, rostos vincados e sombreados, mãos tremendo tanto pelo frio quanto pela idade. À frente, pilhas de tábuas de pinho pálido marcavam o poço velho, seco e contaminado. O estranho estava lá, com um sorriso sutil nos lábios, observando Mikhail com a paciência de um predador.
— Precisamos agir — disse Anna, a herbalista. — Outra criança adoeceu. A água —
Mikhail ergueu a voz e o salão silenciou. Com clareza terrível, entendeu que negar o poço só geraria desconfiança, atrasos e mais doenças — e que o ouro do estranho jamais limpara sua consciência ou curaria as feridas internas. Respirando fundo, lembrou-se das palavras de sua mãe: “A linha entre o bem e o mal corta cada coração.”
Em vez de se opor ao poço, Mikhail fez o oposto. Condenou o atraso, exigiu transparência e alertou para o custo de semear discórdia por ganho pessoal. Conduziu o conselho rumo à união, propondo trabalho imediato e auxílio mútuo. Os olhos do estranho se estreitaram em fenda gelada. O coração de Mikhail martelava no peito, mas sua voz permaneceu firme.
Ao final da votação, o recinto encheu-se de esperança — uma vela acesa contra o vasto breu russo. Quando o conselho se dispersou, o estranho encurralou Mikhail em um beco, sua respiração formando nuvens brancas no ar.
— Acha-se um santo? — rosnou o homem. — Sua bondade encherá barris? Estancará o frio?
Mikhail balançou a cabeça.
— A bondade preenche vazios, mas nem sempre da forma que imaginamos. O mal é rápido, como um degelo repentino; o bem resiste ao inverno conosco.
O rosto do estranho distorceu-se em fúria — e era melancolia?
— Você poderia ter salvado a todos — cuspiu. — A que preço?
A fé de Mikhail vacilou, mas não cedeu. Retornou para casa com a sombra do estranho perseguindo-o até desaparecer sob a luz trêmula da janela. Naquela noite, o sono veio misericordioso, e embora o vento uivasse lá fora, dentro de seu quarto o mestre encontrou paz.
A Perseverança da Bondade
Nos dias que se seguiram, Pravdino trabalhou em conjunto, rompendo o gelo com pás e machados emprestados, carregando toras e pedras para erguer o novo poço. Crianças cantavam ao buscar baldes, aconchegadas em lã grossa. A mãe Anna preparava infusões de ervas para socorrer os enfermos, e a esperança — frágil, mas real — começou a pulsar no coração gelado da aldeia.

Mestre Mikhail fez a sua parte em silêncio. Recusou-se a tocar nas moedas do estranho. À noite, cuidava dos doentes — às vezes apenas com uma palavra ou um afago na mão enrugada. A tentação ainda roía-lhe a alma: quantas vidas poderia ter mudado se calasse a voz, deixasse as vontades do estranho se tornarem lei e distribuísse o ouro onde faltava pão e remédio? Mas se a alma precisa de cuidado tal qual uma aldeia, não pode ser erguida sobre segredos ou acordos com a escuridão.
O inverno passou, e o poço, cintilando sob o pálido sol da primavera, finalmente jorrou água limpa. Naquele dia, a aldeia se reuniu, risos iluminaram rostos que aprenderam a desconfiar da própria esperança. No meio deles, Mikhail erguia-se como uma bétula: rígido, mas inquebrantável.
O estranho não voltou. Alguns murmuraram que fora o próprio diabo. Outros acreditaram se tratar apenas de um homem amargurado pela perda, querendo compartilhar seu veneno. Qualquer que fosse sua natureza, a sombra que lançara desapareceu — tal como a noite antes do amanhecer.
Certa noite, sob um céu salpicado de estrelas, Mikhail encontrou o velho saquinho de ouro junto à porta, frio como a própria morte, as moedas brilhando como veredicto. Levou-o até a beira da aldeia, cavou um buraco sob uma única árvore e ali sepultou o tesouro, onde até as raízes recusariam aquele peso. “Algumas riquezas”, pensou, “são melhores quando jamais encontradas.”
Anos depois, quando os ossos de Mikhail repousavam sob a neve do cemitério, as histórias de sua prova persistiam. Crianças ouviam como o mal oferece conforto instantâneo, soluções fáceis, mas deixa podridão pelo caminho — enquanto a bondade perdura, mesmo que seus frutos demorem a amadurecer, tal como a primavera russa. E assim, em Pravdino, quando a tentação surgia em vison negro ou em dourados reluzentes, o povo lembrava do Mestre Mikhail, que preferiu nutrir a esperança a alimentar a fome, deixando a aldeia mais forte após sua provação.
Conclusão
A fábula do Mestre Mikhail gravou-se não só nas pedras e nos poços de Pravdino, mas na memória de seu povo. Sempre que tempestades se formavam ou a carência ameaçava a frágil paz da aldeia, os anciãos recordavam o inverno em que o mal se envolveu em palavras doces e ofertas reluzentes. Lembravam aos jovens: é fácil ceder quando o mundo aperta a alma, mas o caminho do bem perdura — mesmo na solidão, mesmo na fome — pois oferece aos outros mais do que qualquer moeda.
O maior triunfo de Mikhail não foi a água doce do poço nem o ouro enterrado na terra. Foi a união que inspirou, a força que cultivou simplesmente ao recusar trair seu eu mais profundo. O novo poço tornou-se símbolo de integridade: lembrança de que, embora a escuridão tente com soluções rápidas e prêmios cintilantes, são os gestos silenciosos e arduamente conquistados de bondade que realmente duram. E assim, nos anos vindouros, narrada junto a lareiras ou cantada em canções de ninar, a prova de Mikhail lembrava a todos que a virtude, paciente e persistente, é a vela que nenhum vendaval consegue apagar. Pois, enquanto o mal seduz, somente o bem verdadeiramente perdura — levando esperança pelos invernos mais amargos, resistindo às sutis torturas da dúvida e iluminando o caminho de quem ainda aprende a escolher.